Às vezes, e de uns tempos pra cá não foi só algumas vezes, confesso, eu me pego pensando no quanto o cinema nacional é desvalorizado. O pessoal vive dizendo que no cinema brasileiro não tem nada, só tem filme ruim, "baixaria", produção pequena... Enfim, eu já nem mais fico perdendo meu tempo me estressando à toa com essas profanações populares sem pé nem cabeça. Mas, depois de visto um exemplar como Falsa Loura, que simboliza tão bem o melhor que há no nosso cinema, essa sensação de raiva, coisa boba minha, volta. Não chega a ser nem raiva. É mais desgosto.
Se bem que a gente nem pode culpar o público, que muitas vezes nem tem acesso aos filmes independentes brasileiros, como este, que chegam ao circuito timidamente e vão embora da mesma forma que entraram em cartaz. E uma das coisas mais ruins é que, com o passar do tempo, esses filmes vão sendo esquecidos, e chegam ao ponto de serem inacháveis em qualquer lugar em que você os procure. É o caso de Falsa Loura. Considerei sorte achá-lo na internet, do jeito que as coisas andam. Depois que esses filmes saem das salas, fica bem difícil vê-los em outros lugares.
Mas, deixando de lado a minha inconformação quanto à essa situação em que se encontra o nosso querido cinema, que vai se desvanecendo pouco a pouco com a falta de cultura e popularidade, comento Falsa Loura, esse espetáculo nacional, filme único, o último dirigido pelo lendário Carlos Reichenbach, que nos deixou há três anos. Enigmático e sensual, o filme é um título de peso dentro da longa filmografia do cineasta, e foi bastante elogiado quando lançado. Estrelado pela belíssima Rosanne Mulholland, deusa dotada de uma beleza magicamente clássica e desconcertante, o filme narra o diário de uma jovem operária, Silmara, que sustenta o pai, rejeitado pela família, de passado tortuoso, e vai levando a vida junto às amizades e aos sonhos de mulher.
Pela sua beleza, e condição social, volta e meia ela vive sendo praguejada como prostituta, isso das colegas de trabalho até seu irmão, tudo por conta da saúde econômica da mulher, que é paga pelo pai, que começou a realizar trabalhos para um conceituado advogado, para ir badalar com as amigas e fazer o que bem quiser. Apesar de nunca contar para a filha que tipo de trabalho realiza, ele a garante que faz tudo na honestidade e sem segundas intenções.
Falsa Loura abre caminho para muitas discussões e diversas interpretações. O que acontece é o que filme se trata de uma pontiaguda crítica social, genial e bastante complexa, mas não difícil. Silmara, por ilusão e esperança, crê, rudemente, que a sua incomum beleza é o que faz dela exceção no espaço aonde vive, bairro de classe média baixa, e isso é o que a tira desse mundo de miséria, onde não há esperança para uma vida melhor. Ela se afoga na ilusão de que ser bela é o que a tira do sufoco rotineiro.
O interessante de Falsa Loura é o que o suspense é costurado com tanta eficácia que chegamos a duvidar se os encontros da Silmara com seus famosos ídolos, que acontece em diferentes sequências no filme, são mesmo reais ou não passam de epifanias da personagem. O suspense fica no ar até os momentos finais, e se encerra irresolvido. O que é realmente esquisito é o que filme não falha exposto nessa vibe. Ele vai crescendo na nossa consciência. Quanto mais ele fala, mais a gente vai pensando fundo nas temáticas retratadas.
Por mais esforçada que seja na sua missão de tentar ser especial, dar fermento à dura vida que conduz, a Silmara uma hora percebe que, nem mesmo quando se é bonito, vivendo na miséria, consegue-se obter fama e melhorias. As pessoas sempre pensam a mesma coisa de você. O diretor faz dessa política de estereótipos a base do conto moral da Silmara, de que não importa quem você seja, é a origem e as suas condições que te fazem ser e viver na sociedade, e lhe reservam uma posição dentro dela.
É uma pretensão ingênua e egoísta por parte da personagem. Mas todo mundo tem o direito de sonhar e ir atrás do que quer. O difícil é ser aceitado e reconhecido do jeito que é. Isso chega até ser pessimista, como se iludir-se fosse a única saída para a realidade. Se formos pensar direito, é bastante coerente. Quem não tem pra onde correr, conta com os sonhos pra sobreviver.
Numa saideira ao lado das colegas operárias, a Silmara acaba ganhando a atenção de um vocalista de uma banda de rock, a Bruno e os Andrés, durante uma visita a um clube conceituado. Ela acaba dormindo com o cara, e nisso acaba se tornando a estrela do trabalho, sendo idolatrada pelas amigas, que veem nela a esperança e a ilusão do almejado mundo melhor, a aspiração da rápida ascensão social. Num segundo encontro, ela é maltratada pelo homem, que usa drogas e a usa como objeto, e vive sendo menosprezada, e isso acaba machucando o imaginário dela. É nessa segunda visita, quando ela perde a cabeça ao ver um incêndio (outro elemento misterioso do passado do pai dela) na TV e tenta convencer o cantor a levá-la para casa, que ela vai percebendo a sua realidade mostrando as garras contra a sua grande ilusão, dentro dela, dentro do seu imaginário.
Se você busca erotismo em Falsa Loura, não se decepcionará. O filme é nota 10 nesse quesito. Embora as cenas de sexo da Rosanne sejam poucas, é possível se deliciar e muito com a nudez dela em outras cenas ademais as que ela tem as supostas epifanias ao lado de seus dois ídolos musicais prediletos, o Bruno de André e o Luís Ronaldo, ambos fictícios. Belíssima. Simplesmente bela e sensual sob todos os aspectos imagináveis.
A performance da atriz, pouquíssimo conhecida na época, é invejavelmente primorosa, isso deixando de lado seu fogoso teor erótico e a força das cenas de nudez que ela aparece em. Também merece destaque a interpretação Djin Sganzerla, que faz no filme a colega de fábrica da Silmara, a Brida/Briducha vulga "Bruxinha", que bem no início do filme recebe uma repaginada no visual por iniciativa da moça. E fica bonita, apesar do look acabado do dia-a-dia fabril. No elenco, além dos conhecidos "galãs" globais da época Cauã Reymond e Maurício Mattar, também estava a Maeve Jinkings, hoje musa do cinema nacional, o Léo Aquilla (antes de se tornar um trans), a Luana Piovani (ela faz uma dançarina na pista do clube - nem vi), e até mesmo a Mamma Bruschetta tá aqui (na verdade o Luís Henrique, intérprete da Mamma, que faz o dono do clube).
Falsa Loura
dir. Carlos Reichenbach - ★★★★
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