quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

EU NÃO SOU SEU NEGRO (2016)


O ano está acabando e eu fiz uma lista dos filmes que estrearam no circuito e eu ainda não assisti. A lista é grande, infelizmente, pois foram muitos os trabalhos que eu perdi nos cinemas esse ano, e tive que apelar para outras plataformas, e falta relativamente pouco para que 2017 acabe. É então que a gente é surpreendido por um ou outro trabalho bem especial, que faz a gente repensar antes de fechar a lista dos melhores do ano (é nessa época que começam a sair as abençoadas), como foi o caso de Eu Não Sou Seu Negro, documentário que já estava na discussão desde a época do Oscar e foi bastante elogiado. Não estava esperando que fosse ser assim um filme tão estrondoso e forte, sobretudo importante. 

A temática da opressão racial sempre foi muito bem trabalhada e abordada no cinema norte-americano, na voz de cineastas como Spike Lee e Charles Burnett, e mais recentemente Ava DuVernay, Barry Jenkins e Jordan Peele. Em 2016, foram destaques três documentários que trataram essencialmente dessa temática e que fizeram, cada uma à sua maneira e com precisões próprias, recortes da América e da opressão racial de diferentes perspectivas. O.J.: Made In America, que foi para a TV mas na verdade foi exibido como um filme de 8 horas, talvez seja aí o mais famigerado por ter ganhado o Oscar e aparecido em diversas listas (e, de fato, foi merecedor de toda a atenção, afinal, é uma obra épica do gênero documental), tratava do forte atrito entre a lei americana e a população negra durante os anos 90, num retrato desconcertante da ascensão e queda de O.J. Simpson, jogador negro de enorme popularidade e a acusação de um brutal assassinato que chocou a nação. A 13ª Emenda trata da história negra através do passado e do presente ao analisar a relação entre o sistema carcerário e a opressão. Os três formam um grande trio. 

Eu Não Sou Seu Negro, junto com os dois documentários já citados, ganhou uma indicação ao Oscar este ano, mas perdeu o prêmio para o filme do O.J.. É um dos filmes mais poderosos do ano, trata da vida e da obra do aclamado escritor e intelectual James Baldwin, através de relatos e de materiais do autor discutindo a tensão nas classes raciais na sociedade americana no século passado e as complexidades na relação entre sistema e divisão racial.

O documentário explora um discurso muito interessante sobre esses quesitos através de uma abordagem bastante objetiva e direta de um trabalho não finalizado de James Baldwin (na leitura de Samuel L. Jackson) associando-o a um acervo riquíssimo e sabiamente editado. Sobre a liberdade, sobre um sistema doentio e uma época marcada pelo conflito de ideais e pela luta pelos direitos civis.

A sutileza da técnica e da organização do material abrem espaço para uma abordagem complexa dos temas que cercam esse passado e, ademais, também oferecem uma perspectiva fruitiva do trabalho de uma das grandes figuras representativas dessa luta, que é James Baldwin. Para aqueles que não conhecem sua obra, esta é uma boa chance de adentrá-la. Raoul Peck nos entrega um dos documentários mais autênticos, impactantes e relevantes dos últimos anos, sem dúvida. Um retrato de um país e de uma época de transformações, um grito urgente de liberdade, respeito e igualdade cujo eco ainda é ouvido nos dias de hoje, em que os ideais de igualdade defendidos por figuras como Martin Luther King, James Baldwin e Malcolm X continuam sendo clamados e reafirmados. Mais interessante ainda é como um trabalho sobre o passado pode dizer tanto sobre o nosso presente e o caráter de uma sociedade fragmentada e corrompida pela injustiça, medo e a falta de humanidade. O ódio é a tragédia da civilização. 

Eu Não Sou Seu Negro (I Am Not Your Negro)
dir. Raoul Peck
★★★★

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