A então primeira série de Woody Allen é um trabalho adorável, ainda que tenha seus pontos positivos e negativos. A notícia de que o cineasta estaria filmando seu primeiro seriado, ano passado, deixou muita gente animada e com as expectativas lá em cima que, de certa maneira, foram bem correspondidas, ainda que o diretor estivesse tão inseguro quanto ao resultado da série, tendo repetido muitas vezes em entrevistas que sentia um profundo arrependimento por ter aceitado fazer a série, que na verdade é uma minissérie, para a Amazon.
O diretor teria afirmado que não haverá uma segunda temporada. E, no mais, o resultado foi tão bom que nem precisaria de uma sequência, digamos, caso houvesse necessidade. É claro, a minissérie não é algo perfeito, mas certamente satisfará os fãs de Woody, que não trabalha com TV há mais de 50 anos, desde a época em que era comediante e escrevia piadas para programas de auditório. Não é lá muito comum a gente ver o Woody trabalhando com questões envolvendo cunho político e coisas do tipo. Já por conta disso, vale-se considerar Crisis in Six Scenes um trabalho pra lá de interessante.
Nos dois primeiros episódios, somos introduzidos aos personagens, típicos cidadãos nova-iorquinos, e aos elementos centrais da trama que a locomovem e dão impulso à situação abordada. Nos anos 60, um escritor, vive com sua mulher, uma terapeuta, em pleno cenário de atrito entre os ideais políticos da população e no ápice do socialismo, levando uma vida pacata e sem muito conflito. Com a chegada de uma hóspede inesperada, uma ativista radical procurada pelo FBI, a vida dessa família muda drasticamente e toma proporções extremas.
A minissérie é estrelada por Woody Allen e Elaine May (cujo último trabalho no cinema foi justamente em um filme do cineasta, há exatos 16 anos, em Trapaceiros), que vive o casal central da história. Sidney, vivido por Woody, aquele típico protótipo neurótico dos filmes do diretor, inicialmente recusa a vinda da garota comunista, vivida por Miley Cyrus (em uma performance excepcional, por sinal), mas não consegue contrariar a esposa, que se solidariza com sua situação e lhe dá abrigo. Constantemente, Sidney reclama da presença da garota na casa, e que ela come tudo o que vê pela frente, é subversiva e esses papos que acabam não só criando uma gênese desse personagem rabugento e reclamão, mas também lhe torna crível aos olhos do espectador e diante de toda a situação.
Aliás, a relação desses dois personagens lembra bastante a síntese entre o Woody Allen e a Tracey Ullman em Trapaceiros. Em ambos os casos, a personagem feminina é mais forte, matura e pontual do que os personagens masculinos, que sempre tentam manejar o estado das coisas e se atrapalham embasbacadamente, para o consequente humor do espectador, mas não de uma forma maniqueísta.
A partir do terceiro episódio, há uma certa tensão entre os personagens e os truques de roteiro de Woody para prender nossa atenção e criar todo um clima favorável para a história já se evidenciam, ainda que de uma maneira menos impactante de como costuma acontecer nos filmes dele. Há quem diga que os episódios baseiam-se em soluções fracas. Não é exatamente o caso, já que a fraqueza em Crisis in Six Scenes não se concentra exatamente nessas soluções, mas sim na construção dos personagens. O diretor foca bastante em como os personagens reagem aos conflitos ao redor deles, mas há uma sensação de vagueza quanto à construção mais formal de suas identidades.
Mesmo que a minissérie termine com um fim mais aberto, talvez como se indicasse uma continuidade que seria atribuída à segunda temporada ainda incerta, a conclusão é simples e satisfatória, sem clichês ou aborrecimentos. Crisis in Six Scenes deixa a seriedade do espírito político de lado e nos convida a celebrar uma sátira bem humorada aos hábitos da população americana e ao turbulento cenário político daquela época, com um confronto acirrado entre as massas capitalistas e socialistas explicitamente expostas no contexto da Guerra Fria. O humor ajuda a suavizar a situação problemática entre os personagens e seus contrastes idealistas com um escape cômico que ao invés de vulgarizar e zombar dos eventos ocorridos, humaniza-os. Talvez esta seja uma das qualidades mais benéficas desta produção.
Então, a minha recomendação para quem planeja ver Crisis in Six Scenes é encarar a minissérie como pura diversão, para se ver com despretensão, e não com seriedade. É apenas entretenimento, à velha moda de Woody Allen, uma comédia escapista que não necessariamente se encaixa nos padrões televisivos, e que provavelmente teria um resultado melhor do que o que já tem caso enquadrado em um filme. Crisis in Six Scenes funcionaria brilhantemente como um longa-metragem. Enfim, já está de bom tamanho assim. É bastante gratificante ter dois trabalhos tão bons do Woody em um só ano como Café Society, um dos melhores filmes do ano, e Crisis in Six Scenes.
Crisis in Six Scenes
dir. Woody Allen - ★★★★
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