segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Crítica: "O DIÁRIO DE UMA CAMAREIRA" (2015) - ★★★


Depois da decepção total 3 Corações, Benoît Jacquot finalmente mostra um trabalho digno de reconhecimento: a terceira adaptação cinematográfica do romance homônimo de Octave Mirbeau, precedido pela versão de Luis Buñuel, de 1964 e por uma de Jean Renoir. O resultado é valorizável. E Léa Seydoux, na pele de uma protagonista destemida e sofrida, prova mais uma vez que é bem mais do que um rostinho bonito, numa performance esforçada e bem feita. Essa menina vem me surpreendendo cada vez mais. É certo que há semelhanças com o do Buñuel, mas creio que Jacquot usou como fonte principal o livro mesmo, já que, como eu nunca o li, se for usar este aqui como base, é bem diferente do com a Jeanne Moreau, e logicamente proporciona a esta versão um toque de autenticidade, ou novidade até. Ouvi falar que o diretor tentou utilizar a mansão que serviu de cenário para o longa do Buñuel, mas não obteve sucesso na sua missão.

Não vim aqui como único propósito discutir diferenças e/ou semelhanças entre este e o recentemente visto de 1964, mas quero detalhar que isso talvez tenha implicado na minha percepção do filme, já que o anterior trata-se de uma comédia enrustida, onde imperava o humor negro e a crítica, diferentemente deste, que já é um drama pesado, e que abre fogo contra diversos moralismos sociais da época quando o romance foi escrito sem deixar de lado o teor crítico, ainda que este espírito esteja diretamente onipresente na satírica releitura do mexicano. A priorização do epicentro dramático logo lhe confere uma autoridade de épico, uma das mais estupendas características de O Diário de uma Camareira, e não que a comédia não esteja presente, mas sim reduzida (ri timidamente alto com a cena onde o trem é parado, e a mala da sra. Lanlaire é revistada. Ela insiste para um oficial não abrir uma caixa com um pertence muito misterioso. Aberto o pequeno recipiente, revela-se em seu interior um pênis de borracha). Aceitei com estranheza a vinda desse clima intenso para a história antes narrada com certa descontração pelo mestre Buñuel, digamos.

O miserável destino de Celestine, uma lindíssima empregada, a reservou uma senhora demoníaca, a Madame Lanlaire, proprietária, ao lado do marido pervertido, já à beira da velhice, uma mansão no campo. Obrigada a respeitar e obedecer "caladamente com resmungos" aos mandos impertinentes da mulher, Celestine vai conhecendo melhor a vida na cidadezinha do interior tal como seus habitantes, fazendo amizade com Marianne, cuja dolorosa jornada foi marcada pela desgraça e pela perdição, assim como beira a história de Celestine, de pesaroso passado.

Há também em O Diário de uma Camareira a enaltação do papel da mulher, até com certa insinuação feminista, visto nessa relação entre as duas empregadas, Celestine e Marianne, mais especificamente na cena onde Marianne relata as suas tórridas e infelizes aventuras passadas, perto do fim. A presença do personagem machista e anti-semita interpretado pelo Vincent Lindon não é tão marcante quanto a de Buñuel, mas é muito interessante observar o talento de Lindon, que recentemente exibiu La Loi du Marché no último Festival de Cannes e arrecadou a Palma de Melhor Ator. A fotografia, de Romain Winding, é estonteante. Bravíssimo.

O Diário de uma Camareira (Journal d'une Femme de Chambre)
dir. Benoît Jacquot - 

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