domingo, 29 de novembro de 2015

Crítica: "TÁXI TEERÃ" (2015) - ★★★★★


O caso do cineasta iraniano Jafar Panahi é absurdamente paradoxal e ridículo. Detido em dezembro de 2010 após ter declarado apoiar o candidato opositor à presidência do país Mir Hossein Husavi, ele foi condenado a seis anos de prisão, sentença que recaiu em vários ativistas do país inteiro e também do cineasta Mohammad Rasulov naquela mesma época. E não para por aí. A justiça decretou que o cineasta não deixasse o Irã e nem se envolvesse com nenhuma produção cinematográfica por vinte anos. Ou seja, o diretor não poderia trabalhar com cinema até 2030. 

Contudo, Jafar veio resistindo à esse mandato com já três filmes adicionados à sua filmografia desde sua prisão: Isto Não É Um Filme, Cortinas Fechadas e Táxi Teerã, o primeiro do diretor realizado fora de sua reclusão domiciliar, ao "ar livre", desta vez nas ruas de Teerã. O comum entre esses três extraordinários títulos? O contexto crítico onipresente e direto ao governo iraniano e à prorrogação do seu absoluto estado de ocultação. Simplesmente fascinante. Jafar, nessa produtiva fase marcada por duras alfinetadas ao sistema político de sua nação, mostra que nada, nem mesmo a prisão, nem mesmo a condenação que o impede de filmar por duas décadas, seja quaisquer mandamentos que forem, são capazes de o silenciarem, de adstringirem a sua liberdade. 

Merecidamente vencedor do Urso de Ouro no mais recente Festival de Berlim, Táxi Teerã começa com um segmento que já de abertura aponta sua intensa natureza crítica, com um homem e uma mulher discutindo a pena de morte. O homem e Panahi discursam sobre artifícios de segurança, com o homem trabalhando numa área mais ou menos adepta à esse fundamento. O homem, de passagem, expressa seu idealismo sobre quem rouba, e que deveriam executar um ou dois ladrões só para servir de exemplo. A mulher, no banco de trás, inicia um bate-boca com esse moço, o indagando se o ladrão não poderia ter cometido tal ato com uma outra intenção, se não a intenção que prontamente pudesse estar ligada ao raciocínio criminal, mas sim necessidade. Essa cena de discussão se interconecta com outras mais, principalmente vindas com a segunda parte do filme, onde a avalanche ataca de vez, e Jafar finaliza, com primor, sua complexa trama repleta de teses sobre um país cada vez mais inacreditável, sujeito à barbaridades e regras sem cabimento das mais escrotas. 

Na passagem que segue, um vendedor de DVDs piratas reconhece o diretor e logo o questiona "os passageiros que acabaram de sair, eram atores, não?", criando uma realidade inversa sobre a veracidade do documentário, que é falso, mas que bem poderia ser muito impressionante pra quem vai ver sem saber dessa condição, ainda que a sequência de episódios seja muito incerta para representar a realidade, sendo mais de uma surreal ordem, ainda com atores anônimos. Panahi até tentou, de fato, realizar o documentário anteriormente com a população comum, mas que se sentiu culpado quando uma das pessoas gravadas pediu a Jafar que excluísse o conteúdo a fim de preservar sua segurança e privacidade. 

A parte do cara que se acidentou de moto, junto da mulher, também é explosiva. À beira da morte, ele logo pede para o motorista (Panahi) que escreva num papel seu testamento. Nisso, o documento é testificado no celular de Jafar, com ele deixando tudo para a esposa, e pedindo que a família respeite sua vontade, tal como a justiça, e que não direcione seus bens para seus irmãos, unicamente à esposa. [alerta de spoiler] Depois de deixar o casal num hospital, ele, minutos depois, recebe uma ligação da mulher falando que o marido passava bem, mas que deixasse com ela uma cópia do vídeo. Questionada o porque, ela responde: "Nunca se sabe". Uma triste realidade para as mulheres iranianas, que apenas tem de arcar com revoltantes direitos lotados de limitações.

O que, mais tarde, é abordado por uma senhora, amiga de Jafar, que entra no veículo com flores, e que se diz extremamente revoltada com o estado em que se encontra uma jovem adolescente que foi presa enquanto assistia à uma partida de voleibol, e que começou a fazer greve de fome no cárcere. Após findar seu discurso de desgosto, ela se dirige para o diretor e diz: "É melhor tirar as minhas palavras do seu filme, senão irão acusá-lo de realismo sórdido! Você se meterá em mais problemas", o que condiz com um segmento anterior, da sobrinha dele, realizando um trabalho de cinema para a escola, e que segue versadamente às regras impostas para um filme distribuível, que impedem certos "luxos", entre estes o "realismo sórdido". Intrigante. Uma das melhores partes do filme fica reservada para o final, irônico e pensativo.

No desenvolvimento de seu protesto, Jafar, tão inteligente quanto esteve em seus dois longas anteriores, faz desse grito uma ode ao direito inalienável de ser livre. A construção das esquetes que compõem esse manisfesto é igualmente genial, cada uma melhor e mais chocante que a outra, sábias ressalvas de um pensamento liberal, e atrevido, ao ver do pessoal de lá, mas aqui no mínimo inovador. Afinal, eu sinceramente não consigo me ver tendo que escrever aqui no Lumière & Cia. às escondidas, no receio ser pego e enforcado. Chega dá arrepios. E que cara corajoso é o Jafar Panahi, desafiando imposições a fim de produzir, criar o cinema, custando o que custar. Eu comprei a admirável proposta de Táxi Teerã, mesmo que não seja 100% crível como sua pinta de documentário tenta personificar, o que, convenhamos, é um detalhe menor quando temos em tela um projeto que já fica de bom tamanho pela densidade de seu objetivo, divertido e singular. É um trabalho desafiador e belo. E, além de tudo, criativo, com todas as letras. Do interior de uma cabine de táxi ao mundo, fica o retrato eletrizante de Jafar Panahi sobre as deploráveis condições enfrentadas pelo Irã moderno, um país que no fundo necessita de evolução e mudanças, severas.

Táxi Teerã (تاکسی / Taxi Tehran / Taxi)
dir. Jafar Panahi - 

2 comentários:

  1. Legal sua análise. Gosto muito desse filme, achei super criativo. Visite meu blog: http://consideracoessobrefilmes.blogspot.com.br

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