sábado, 7 de novembro de 2015

Crítica: "UM SENHOR ESTAGIÁRIO" (2015) - ★★★


Novo filme da diretora Nancy Meyers, "especialista" em comédias românticas, Um Senhor Estagiário, apesar de não ser assumidamente uma comédia romântica, leva consigo aquele mesmo clima descontraído e simpático de outros filmes da diretora como Simplesmente Complicado, Do Que as Mulheres Gostam e O Amor Não Tira Férias. Se fosse pra comparar, acho que da curta filmografia da Nancy (que tem mais títulos como roteirista), Alguém Tem Que Ceder cairia como uma luva. Não é só pelo protagonismo de atores da terceira idade, como De Niro e Diane Keaton, mas também pela abordagem dos idosos cada vez mais ativos, não falando da disposição, mas sim o acompanhamento da evolução do mundo, tal como nos relacionamentos e no trabalho. Falando da participação dos idosos no avançado caminhar da rede de vendas por internet e do universo empresarial, Um Senhor Estagiário acumula pontos. 

O interessante é que esse retrato da desenfreada evolução desponta não só nessa área, mas em outros vínculos, o que faz dele um monumento multifacetado. Por exemplo, a relação da Jules com a família, mais especificamente com o marido, Matt, que conheceu trabalhando na empresa que hoje é CEO. Matt saiu do emprego e passou a cuidar integralmente da filha que teve com ela, contrariando o clássico estereótipo do marido sempre desatencioso e distante, posto passado diretamente para a personagem de Jules, e apesar dessa mudança de papéis o já conhecido rumo das coisas com a distância da mulher e os usuais conflitos do casamento não sofre quaisquer alterações. 

Há também a análise da perspicaz atividade da mulher dentro do mundo comercial, que igualmente se liga à proposta do filme de explorar a evolução e à anexação do sexo feminino em novos padrões. Ver Anne Hathaway no papel da durona de coração mole Jules Ostin, num escalão de alto poderio, comandante de uma rede de venda de roupas online bem-sucedida, é mais que um deleite e delicioso comeback pra quem viu ela, em 2006, ainda no início da carreira, sofrer na pele da Andy, a quase-escrava da Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada, até porque aqui se ela não exige muito do senhor estagiário Ben Whittaker, ela também extravasa com a secretária Becky, imitando a relação Andy-Miranda do já citado O Diabo Veste Prada, que parece ter levemente inspirado Um Senhor Estagiário em determinados aspectos, ainda que Jules não seja tão ignorante, rabugenta e excessiva quanto a Miranda em si. Dentro desta Jules, pelo menos, sobra uma grande porção de sensibilidade e humanidade, aprofundados à medida em que a relação entre chefe e estagiário vai se intensificando.

[spoilers] Fica difícil resistir a Um Senhor Estagiário ainda mais quando o filme estampa Robert De Niro, setentão e durão astro de filmes com teor gângster, criminal, na pele do tal estagiário do título, viúvo e que, morando no Brookyln, onde a sede da empresa é sediada, decide aventurar-se por uma última vez num trabalho que o remeta às velhas lembranças do passado, onde trabalhava no mesmo local onde hoje é sediada a loja online. Depois de ganhar a atenção e bondade da exigente Jules, bem explicitado em episódios como o qual ele leva a filha dela para uma festinha depois que o marido "fica doente" ou quando ele evita que a mensagem erroneamente direcionada à mãe da chefe dizendo que ela era uma megera e mais outros infames xingamentos entrando à força na casa dela, com um alarme supostamente falso acionado, gerando uma cômica confusão, é aí que vemos o espírito caridoso e atencioso do personagem. Outros segmentos são pérolas para o filme, como o que ele começa a treinar o "piscar" sabido de que Jules não gosta da pessoa que não pisca, ou quando a massagista da empresa, interpretada sublimemente pela Rene Russo, começa a massagear a região da sua perna, e então um dos amigos de Ben entra e se assusta, chocado pela simulação de sexo oral que tal cena premeditou.

Ainda que não seja tudo aquilo que se possa imaginar à primeira vista, Um Senhor Estagiário agrada pela competência de sua diretora/roteirista Nancy Meyers, consolidada como uma das maiores fabricantes de comédia dos últimos tempos, e a força de um elenco extraordinário, a maior parte do mérito deste desviado para os dois excelentes protagonistas, Anne Hathaway e Robert De Niro, numa química excepcional e raramente vista em semelhantes. O roteiro da Nancy evita clichês com a elaboração de uma boa fórmula, que faz com que a trama não fique tão pesarosa e chata, e ajuda a dar realce ao elenco. Um Senhor Estagiário é modelo de comédia bem-feita, em moldes originais e com uma parcela de encantos e qualidades infinitesimal.

Um Senhor Estagiário (The Intern)
dir. Nancy Meyers - ★★★

2 comentários:

  1. A trama traz ninguém menos que a dupla Robert DeNiro e Anne Hathaway como dois legítimos representantes desses tempos tão diferentes. É que mais do que contar uma história parece que O Estagiário quer passar uma mensagem: que a geração digital (da web) tem ainda muito que aprender com a textual & analógica, não apenas a nível profissional mas principalmente no que diz respeito às suas relações familiares e emocionais. Ou então é uma afirmação que os mais velhos – para além do savoir faire que podem transmitir aos mais novos - têm prospectivas de emprego e de sucesso. Mas apesar de seu argumento central clichê – o de que jovens e velhos precisam aprender uns com os outros - a forma humana e sincera como a história é contada, sem julgamentos morais e condenações, a eleva a um patamar acima das outras.

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    1. Gostei muito da sua visão, Kuri. E principalmente em Hollywood, há muita discussão hoje em dia em torno dos veteranos e dos novatos, aqui compartilhando a tela (Robert & Anne) e mostrando que, tanto de um lado como do outro, há muito o que se explorar e absorver. A identidade do cinema, sobretudo, ganha um exercício quase nostálgico e ao mesmo tempo moderno.

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