Por que diabos não lançaram aqui no Brasil os dois primeiros filmes da trilogia, que são The Disappearance of Eleanor Rigby: Him e Her, em vez de apenas terem trago o último (Them), ainda que seja este seja a "junção" (editada) dos outros dois primeiros, sob o título Dois Lados do Amor?. O Him discute a história na visão do protagonista masculino, Conor Ludlow, e o Her a perspectiva da personagem do título, Eleanor Rigby (nomeada assim por conta da famosa música do Beatles, já que seu pai e sua mãe se conheceram enquanto esperavam juntos por um suposto concerto da banda em Nova York). Se bem que pedir mais depois de Dois Lados do Amor fica até um pouco embaraçoso, já que se trata de um filme espetacular. Multifacetado prisma que espelha a relação de um casal após uma tragédia familiar, Dois Lados do Amor combina, com enorme perfeição, drama e romance, além do elenco sensacional, com especial destaque a Jessica Chastein (num dos melhores papéis recentes dela) e James McAvoy (brilhante, como nunca esteve).
Vou te falar, esse ano a Chastein chegou com tudo. No início de 2015, carregava consigo glamour e beleza no pesado O Ano Mais Violento, onde enfeitava com doçura e às vezes rigidez sua personagem, esposa e "conselheira" de um bem-sucedido empresário do ramo petrolífero. Um pouco mais tarde, em maio, voltou a encantar na pele de Miss Julie, talvez seu melhor papel e mais radiante visto neste ano. Não tive a chance de conferir Perdido em Marte, ainda, onde a performance da atriz veio recebendo bons elogios. Só tinha sobrado dela, pra ver, Dois Lados do Amor, que chegou tímido aos cinemas, em março. A única palavra para pontuar o desastre de ter perdido o longa no cinemaé pecado. Erro é muito pequeno para identificar o meu desapontamento comigo mesmo por não tê-lo visto à altura, se bem que eu nem sabia de sua estreia até agora.
Ned Benson, que já foi namorado da Jessica antes dela fazer fama, convida o público a acompanhar a trágica e belíssima trajetória de um casal, atravessando um profundo período de luto, cada um reagindo da própria maneira à agitação desse capítulo, de um ângulo inteiramente singular e diferenciado das demais abordagens que se vê por aí. Enquanto vemos na carismática e energética figura de Conor Ludlow um estado de despreocupamento e calmaria, Eleanor Rigby, sua amada, enterra-se num espírito de luto emergente e abalador, provocando seu afastamento do marido e da sua própria vida - de fato, seu desaparecimento -. Após uma falha tentativa de suicídio, ela retorna à casa dos pais onde tenta reconstruir a vida isolada de Conor e de todas as memórias que pudessem a remeter à perda, só que aos poucos ela vai criando alguns problemas com os familiares quando todos parecem coroá-la com um misto de superproteção e preocupação com seu estado psicológico. Se não viram ainda Dois Lados do Amor, não ousem ler nenhuma sinopse ou até mesmo ver o trailer, senão estraga a surpresa e a grande sacada do monumento dramático que é, e até o clima de suspense que fica no ar por conta dos frequentes desencontros entre o tempo atual e os misturados flashbacks, desaparece, e isso talvez influencie no entretenimento.
Enquanto muitos outros filmes que retratam o luto, e seu catastrófico efeito na vida da gente ao seu redor, reverenciam um incólume, mas caso realizado sem os precisos cuidados inflado, modelo que sempre procura conectar os centrais envolvidos à uma avalanche de revelações, sentimentos contrastados e uma auto-repreensão interminável, mas que são os necessários elementos da composição da trama, em Dois Lados do Amor o espectador vai desvendando os segredos dentro da narração à medida em que o luto não está nitidamente perceptível (ele vai ganhando camadas com a evolução do filme), o que resulta num exemplar protótipo e bem incomum.
Eleanor representa a culpa, a dor e a dúvida do ser emergindo depois do grande break, sentimentos antes encobertos, mas que ressurgem misticamente com o baque. Conor representa o "ir em frente", deixar pra trás, "aprender a conviver com o passado". Como um casal, Conor e Eleanor representam num uníssono essas características na própria pessoa, que determinam o luto. Enquanto uma parte de nós não aceita a verdade e fica preso naquela onda de tristeza e inconsolável melancolia, a outra é forçada, pelo tempo e pelas suas tarefas, a abandonar essa instabilidade. E, enquanto essa relação é a pura demonstração de todo o processo que reúne a aceitação da partida, também há todo um contexto romântico por trás dessa simbolização, a caracterização do amor verdadeiro. É uma história muito bela, cuja impactante sensibilidade me silencia de um veredito contrário a esse. A insuficiência de defeitos, a caracterização, a encarnação. É absolutamente excelente, inesquecível.
Como eu não tinha ouvido falar muito de Dois Lados do Amor, sequer estar ciente da participação de atores fenomenais à exceção da Jessica e do James, e também da minha eterna diva Isabelle Huppert, no já mencionado indescritível elenco, fiquei abismadamente surpreso com a presença de William Hurt, Viola Davis e o Bill Hader neste mesmo, sem falar na Nina Arianda, que faz uma pequena ponta. O roteiro é maravilhoso, constrói bem as personagens e costura a história com um intransitivo esmero, além da perpetuação de um clima que enverniza bem as performances e o temperamento do relacionamento da Eleanor e do Conor, permeado pela paixão e pela depressão. Vale elogiar a desprevenida entrada de conflitos familiares que, apesar de não ser amplamente observada, rende uma exótica apreciação. Dois Lados do Amor é marcante quão indispensável. É com certeza um dos melhores de 2015.
Dois Lados do Amor (The Disappearance of Eleanor Rigby: Them)
dir. Ned Benson - ★★★★★
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