Sumido o Spike Lee, hein? Apesar da sua recente refilmagem de Oldboy ter sido lançada no Brasil ano passado, o diretor parece ter desaparecido das telonas, tanto que A Doce Sede de Sangue foi lançado diretamente em DVD esse ano. E parece que desde A Última Noite ele não tem lançado um filme bem-recebido ou aclamado, tanto por lançamento ou crítica, digamos, já que Milagre em Santa Anna, Oldboy e até mesmo o documentário Michael Jackson - Bad 25 não foram lá bem aceitos. E, embora seja um filme compreensivelmente delicado, A Doce Sede de Sangue merecia ter, pelo menos, uma melhor distribuição internacional. Acredito que o impacto de tê-lo visto em casa é pequeno comparado caso o filme fosse lançado no cinema. Metade terror metade suspense, A Doce Sede de Sangue, de tão mal financiado não é aquele filmaço, mas caso melhor produzido daria uma bela obra, e mesmo assim não deixa de ser valioso.
Financiado com o dinheiro de internautas, através de um site organizado pelo próprio Spike Lee, que estava com mega dificuldades para produzir o filme, A Doce Sede de Sangue, bem como eu falei, é mediano por natureza. Seu quê de filme grande tem a intensidade reduzida com a escassa exploração da trama devido à falta de recursos e um tecnicismo falho que certamente surpreende em certos pontos, mas não é aquilo que se pode esperar de alguém do tamanho de Spike Lee, aquele que dirigiu a filmografia de três horas do Malcolm X e o clássico Faça a Coisa Certa. De longe não parece o mesmo diretor. Mas, enfim. É o que tem pra hoje. E não posso dizer que estou decepcionado. Muito pelo contrário. Até acho um trabalho bem enigmático, e por isso interessante. É bom ver que, ainda diante de pobres condições, Lee consegue se virar, razoavelmente.
A história é meio confusa no início, mas vai sendo detalhada com o passar do tempo, resultando numa narrativa bem exercitada e temperada. É sobre um especialista em arte que trabalha com artefatos históricos africanos e que está realizando investigações ao lado de outro curador, homem de temperamento duvidoso e que tem frequentes transtornos suicidas. Num segmento mal explicado, ele tem um surto e acorda esse especialista na tentativa de acertá-lo com um machado. Tentando se proteger dele, Lafayette acaba utilizando um misterioso e amaldiçoado instrumento, supostamente utilizado por uma rainha egípcia sedenta por sangue que acabou dizimando a população de seu reino bebendo seu sangue, matando-o. Ele se mata, mas o outro acaba revivendo, empoderando-se de uma sede insaciável de sangue. Pouco a pouco, ele vai vitimando mais pessoas, que vão integrando sua sociedade de "vampiros".
Termina sem muito sentido, mas é aterrorizante. E, pra quem não via um filme do Spike Lee há muito tempo, A Doce Sede de Sangue é a oportunidade de vê-lo numa fase mais relaxada, ainda que subestimada, onde o diretor parece tecer um olhar renovado sobre as suas perspectivas do universo negro e afro-americano. Enquanto serve de crítica à religião, é também um magistral terror que faz múltiplas conexões, dando diferentes ângulos à complexa trama, que pode ser subentendida de um jeito por mim, e por você de outro. É bem bizarro, mas é simplesmente estremecedor. E, ainda mais num ano onde o terror anda sucumbindo à repetição, ao incompreensível sobrenatural e ao tédio, A Doce Sede de Sangue pode ser visto como um sucesso adentro tantos, de fato, horrores (se é que me entendem) por hora vistos por aí. Sem contar na espetacular trilha sonora, que, como forma de adocicar a melódica sensualidade da peculiar história, leva dois títulos da MPB consigo, bem vistos em duas cenas, uma delas a fervorosa cena de sexo entre o especialista e a sra. Hightower e a sequência final, na voz icônica de Jorge Ben e Milton Nascimento (algo que deve ter uma direta influência com a demorada visita de Spike Lee no Brasil, faz um tempinho já, uma vez que ele veio filmar um documentário passado aqui, que não foi lançado, se eu não me engano).
A Doce Sede de Sangue (Da Sweet Blood of Jesus)
dir. Spike Lee - ★★★
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