"Como uma estrela, uma miragem, como a visão de uma lâmpada, como ilusões, gotas de orvalho, como bolhas n'água, como um sonho, um relâmpago, uma nuvem, assim é que cada um deve ver o que lhe está condicionado". Jornada ao Oeste encerra-se com essa inspirada reflexão, as únicas palavras proferidas pela legenda durante o filme todo, sem contar o título no início. Curta-metragem do aclamado diretor considerado hoje símbolo do cinema oriental contemporâneo, Tsai Ming-liang, Jornada ao Oeste surge da simples proposta da filmagem de sequências protagonizadas por um monge e um homem comum, sequências marcadas pela lentidão do caminhar dos atores Lee Kang-sheng e o francês Denis Lavant e o surrealismo do conteúdo. Não se deixem enganar por "simples proposta". Digo isso pela leveza com a qual o filme é conduzido, a pureza dos detalhes. É muito provavelmente o filme mais enigmático e complexo que vi neste ano. Carrega na sua incomum natureza non-sense uma beleza extraordinária e regada pelo desejo do desconhecido. Em apenas 50 minutos que no final transparecem como um mega-metragem de quatro horas, Jornada ao Oeste vem para testar o público,
desafiando os princípios cinematográficos do tempo, e colocando em pauta a
importância desse elemento para uma realização de tal nível.
À exceção do começo, cuja abertura data
oito minutos com um close-up na
melancólica face de Lavant, e a sequência que segue essa é ainda mais monótona,
a maior parte restante do filme devaneia o contraste entre o rápido fluxo de
parisienses, com a sutileza dos movimentos e da câmera, um a um brevemente comovido com o vagaroso andar do monge e sua
inquebrável concentração, nem mesmo eclipsada pela euforia de poluição sonora
que corre solta enquanto ele, numa escadaria, vai proporcionando incômodo a
quem tenta passar por uma das vias da escadaria, sendo um segundo lado
totalmente ocupado pelo monge. Essa cena, que tanto identifica o desconforto
geral da platéia enquanto o filme era exibido (uma das moças perto de mim
espreguiçou-se perto do fim com tanta fervorosidade que quase pulei da
poltrona) é também agente do desconforto, quando vemos a glamourosa fotografia
e a sensibilidade representada pela passagem sendo aniquilada com a população,
no fundo, fabricando discussão, e uma garotinha infernalmente irritante
atazanada pelo inusual episódio, que é visto como diversão por certas pessoas,
indiferença e também artística, uma romantização particularmente bela vinda do
respeitável espectador.
É certo que, em partes, o filme gera
tédio. Mas com um propósito. Estabelecer um equilíbrio lógico acerca do timing perfeito e do timing exagerado, o que já
é invasão de um território totalmente diferente: a técnica. O bom de Jornada ao Oeste é que ele
produz distintas interpretações. Pode ser tanto uma crítica, um desafio, um
exemplar técnico, filosofia surreal, beleza experimental, ou a mistura de todos
esses fatores. A complexidade e poder deste filme está em intimidar, e
contaminar seu auditório de claustrofobia apenas por focar um rosto durante
oito minutos seguidos ou apresentar a filmagem estonteante de dois homens em
perfeita sincronia numa lenta e incompreensível trilha ao oeste da tela,
provocando impaciência a quem vê portando como escudo uma nova e estranha
experiência.
Jornada ao Oeste (Xi You)
dir. Tsai Ming-liang - ★★★
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