terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Crítica: "HANNAH E SUAS IRMÃS" (1986) - ★★★★★


"Nunca existiu e nunca existirá alguém como o Woody" - Faço das sábias palavras de Diane Keaton, ex-parceira do diretor e estrela de um de seus maiores longas, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, as minhas. Hoje completa 80 anos aquele que é, à minha humilde perspectiva, o maior, melhor e mais talentoso diretor que já viveu. Com uma extensa filmografia lotada de pérolas, o diretor, mesmo à beira dos 100 anos, não para de produzir, a cada ano trazendo aos cinemas um novo trabalho. Tradição. Cada um mais primoroso que o outro, diga-se de passagem. Afinal, quem jamais chegou ao seu nível, completando 80 anos e com quase cinquenta filmes adentro sua extensa carreira, todos escritos e dirigidos por ele mesmo, sem abrir exceções? Histórias que discutem e relatam a vida, de vários ângulos e de potentes reviravoltas, a vida que cada um leva. Seja em Nova York, seja em Paris, em Barcelona, em Londres, em São Francisco, aonde for, essas narrações não perdem nem força e nem sentido. São cabíveis a qualquer um de nós. Seja na ilusão de uma garçonete infeliz que se apaixona por um galã de cinema que sai da tela para ajudá-la, no romance de um humorista neurótico com uma cantora nervosa, no inacabável amor pela cidade que sedia o mundo e o espírito romântico, e que ele tanto faz questão de idolatrar, a cada filme como se fosse pela última vez... Na dondoca perdida que tenta se reencontrar na mudança para a casa da meia-irmã, mas que só traz à si, e para ela, mais problemas... E por aí vai. Fantástico. Apaixonante. Erudito. Novo. Elétrico. Instintivo. Genial. Acima de tudo, genial. A vida fazendo ou não algum sentido, Woody sempre está ao nosso dispor, com filmes que facilmente ganham nossos aplausos, e que nos fazem apenas querer mais e mais embarcar nesse badalar de emoções que é essa mística vida. Eu só peço que, se puder, que venham mais 80 anos com ele!

Como forma de celebrar seu octogésimo aniversário, revejo Hannah E Suas Irmãs, obrigação minha há tempos, já que o tinha visto, incompletamente, em 2013. Mas o jazz que introduz, e que desde que escolhi o longa para a homenagem veio tintilando dentro da minha mente, é inesquecível. Creio que é a melhor música que já abriu um título do Woody. O filme é deliciosíssimo. É claro, fica o mérito da especialidade do diretor em não deixar nenhum elemento escapar, ainda que seja um detalhe quase imperceptível, o que contribui muito para um dos melhores finais já realizados por ele, num filme que já envolve uma certa complexidade quanto às muitas tramas que compõem seu carrossel romântico. O desfecho é cuidadoso, como sempre, e essa perícia roteirística, aqui trabalhada fascinantemente, dominada inigualavelmente por ele, foi o que levou à sua terceira estatueta, ganha no Oscar 1987, em Melhor Roteiro Original, o segundo de três na categoria, sendo a mais recente vitória Meia Noite em Paris. Merecidos. 

A história se desenrola em cima das três personagens que intitulam a película: Hannah, a mais acertada de todas elas, com uma carreira formada, família, realmente uma mulher de sorte, que teve tudo o que sempre quis e na medida certa, até que seu casamento vai amargando lentamente com o passar do filme, com o distanciamento do maridão, feito por Michael Caine (numa atuação espetacular, por sinal), que se apaixona por Lee, belamente interpretada por Barbara Hershey, no auge da beleza, que também atravessa um casamento marcado pela distância, falta de comunicação e química, sendo seu par Max von Sydow, frequente colaborador de Bergman e aqui participação indispensável, ainda que rápida. E ainda temos a Holly, que só ganha espaço lá pela segunda metade do filme, a irmã perdida e desorientada que já se envolveu com drogas e que parece estar emergida numa constante onda de azar, o que a afasta de aventuras amorosas, e gerencia a ela um carregado protótipo de depressiva.

Disputa pau a pau com Meia Noite em Paris no quesito melhor elenco. Reunião imprescindível de atores excelentes, alguns deles conceituadíssimos (Michael Caine, o próprio Woody, e Max von Sydow, por exemplo), e outros ainda em desenvolvimento, mas que deslancharam principalmente por conta deste filme, como é o caso da adorável Dianne Wiest, que havia feito uma ponta no anterior A Rosa Púrpura do Cairo, e que ganhou de mão beijada, muito obviamente, o prêmio de Atriz Coadjuvante no Oscar por este aqui, um ano depois. O prêmio de Ator Coadj., por sua vez, foi concedido a Michael Caine, com razão. 

O diretor mantém, com punhos de ferro, o equilíbrio entre a leveza e o drama da história que vai costurando, sempre a movimentando com conflitos bem fermentados e imaginativos, prato cheio para o espectador que adora o entrar e sair de reviravoltas, incessantes até os últimos minutos, literalmente, de Hannah E Suas Irmãs. É aquele momento em que há o desespero contagiante do Mickey, o pastelão hipocondríaco feito por Woody Allen, em uma atuação memorável, quando ele passa a desconfiar que uma surdez etária seja indicador de um tumor no cérebro, realizando uma bateria de exames para provar o contrário, o que possibilita alguns sustos, ainda que abordados com certo humor. A frenesi da morte, e com sua chegada uma eternidade de completo e inacabável vazio, formidavelmente temperada com uma das cenas próximas do fim, quando Mickey se encontra num cinema, e lá reencontra a razão para o viver. Do mais, Hannah E Suas Irmãs é uma homenagem à vida. Afinal, é na ironia de sua duração (um turbilhão de eventos ocorrem num período extasiante de um ano na vida dos personagens, mas que parecem, de longe, serem passados em uma duração maior) que se encontra a revitalização e celebração da vida pelo diretor. Experiência mais que encantadora. O bom é, no fim das contas, viver a vida sem se preocupar com tais aspectos. Perder tempo pra quê? Como vive proclamando um amigo meu, a vida é preciosa demais para ser gasta em vão. Num resumo geral, Hannah E Suas Irmãs é o filme mais "feel good" já feito pelo cineasta. 

TOP 10

1. A Rosa Púrpura do Cairo (1985)
2. Match Point (2005)
3. Manhattan (1979)
4. Dorminhoco (1973)
5. Hannah E Suas Irmãs (1986)
6. Meia Noite em Paris (2011)
7. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)
8. Zelig (1983)
9. Broadway Danny Rose (1984)
10. Desconstruindo Harry (1997)

Hannah E Suas Irmãs (Hannah And Her Sisters)
dir. Woody Allen - 

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