quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Crítica: "DESCOMPENSADA" (2015) - ★★★


Descompensada tem lá seus acertos e seus erros. O certo é que não vale tanto a imensa quantidade de elogios que recebeu. É ótimo, mas não chegaria ao Oscar como muitos tem andado a falar, já que não faz nem o padrão do prêmio e muito menos se qualifica para chegar a qualquer categoria dentro dele, como por exemplo Melhor Roteiro Original, apesar da situação não ser claramente impossível. Fica a impressão de que o filme da comediante do momento tem muito a falar, mas gira em torno de uma trama lotada de rodeios e desnecessariamente longa, algo que atrapalha seu andamento e o nosso interesse. A tentativa de filtrar Woody Allen até pode lá ter seus pequenos encantos, mas, de tudo, Descompensada é apenas um filme legal. Não passa disso. E é extraordinariamente cômico, apesar de tudo.

Amy Schumer é a nova queridinha da comédia. E sem dúvida tal posto é merecido. Na estrada há um tempão, Amy só veio a ser reconhecida com a chegada do seu espetáculo televisivo Inside Amy Schumer, humor negro onde ela interpreta diversos personagens, e até ela mesma - mais comunalmente - diante de situações criativas e outrora esquisitas, como ela descobrindo que tem Herpes e pedindo a ajuda de Deus, que desce até o apartamento dela só pra lhe dar um ultimato. Divino. E também deu a maior audiência nos Estados Unidos. Ela até recebeu o Emmy esse ano. Descompensada é a cara da série. Amy, personagem que leva o título da atriz/roteirista que a interpreta e a escreveu (Schumer, dããã), é uma fracassada na faixa dos 30 que não tem vida fixa e cujo diário se resume a noitadas e, nas palavras dela, passeios turísticos acidentais em balsas. Até que tudo muda quando ela se apaixona perdidamente por um cirurgião, e ela tem esse amor correspondido. Ela não pretende se envolver com ele, mas o amor é tão intenso que ela não consegue evitar a atração e passa a enlouquecer com as atitudes que toma em prol desse relacionamento, atitudes de altos e baixos.

Verborrágica e fora de forma, Amy é uma pessoa naturalmente desorientada. Não sabe o que quer, está à beira de ser despedida e sua vida não anda nem pra frente e nem pra trás. Sua personagem é bastante semelhante com várias outras figuras da realidade. Há quem diga que até há como se identificar em certos quesitos com relação à essa personagem, até por que ela é bem multifacetada e exposta. Mas o bom é que a gente adquire fácil confiança nela, mesmo repreendendo seus atos. Sem medo de falar o que pensa, e até às vezes falando sem pensar, Amy tem medo de aceitar que sua vida não está nem pra lá e nem pra cá, e nisso ela passa a culpar injustamente todos à sua volta que são bem-sucedidos e levam uma vida estável, como sua irmã (interpretada pela beldade Brie Larson), casada e com filho.

O filme começa com uma cena do pai da Amy quando ela e sua irmã ainda eram crianças, exemplificando adultério através da relação que elas mantinham com suas bonecas, do tipo: "Vocês tem essa boneca, certo? E se eu dissesse pra vocês que essa é a única boneca com quem vocês poderiam brincar pro resto da vida de vocês? Ficariam tristes, não?" - esta que é particularmente uma das cenas mais engraçadas do filme inteiro. Baseado nisso, o filme segue analisando o relacionamento do trio, o pai e as duas irmãs. Amy considera o pai a melhor pessoa do mundo, mas para a sua irmã "certinha" ele é totalmente o inverso dessa definição. Amy aceita suas mancadas, mas premia sua personalidade única. No filme, é possível ver exemplos desse contraste de opinião, com as irmãs tendo várias discussões acerca o assunto, até a segunda parte do filme quando o pai apresenta piora, e elas duas tem de se unir para lutar contra uma doença que ele possui.

Ver a transformação da baladeira e inquieta Amy numa namorada ciumenta e rígida, algo bem teorizado em especial numa cena onde Aaron, médico legista, tem de examinar uma líder de torcida num estádio esportivo onde trabalha, e Amy fica inconformada, utilizando essa cena como chave para muitas brigas adiante com o rapaz. Sim, mulheres guardam mágoa. E ambos estão ótimos, tanto a Amy Schumer, revelação nos cinemas (e que está vindo para o Brasil filmar uma comédia!) e o Bill Hader, que faz o papel do dr. Aaron Connors. A Tilda Swinton rouba deliciosamente a cena várias vezes, no papel da editora da revista onde Amy trabalha, Dianna. O Ezra Miller, o encapetado Kevin de Precisamos Falar Sobre o Kevin faz uma ponta aqui.

Descompensada faz rir. E muito. Amy Schumer estampa em frases como "Não foi aqui onde o Woody Allen conheceu a Soon-Yi?" e "Acho que gosto 'mermo' de buceta" seu humor afiado e salteado, que desafia limites e a nossa própria seriedade. Essa moça ainda tem muito o que mostrar. Descompensada é o prólogo dessa aluna do Woody Allen cuja agradável e dura comédia projeta que ela é um dos talentos mais promissores do ramo na atualidade. Mesmo que não seja uma obra, Descompensada é um grande trabalho. Teve a estreia cancelada no Brasil, algo que envolve uma polêmica com a versão unrated do filme, e parece estar reprogramado para ano que vem. Mas assim que o filme despontar nessa temporada de premiações, a data rapidinho dará as caras.

Descompensada (Trainwreck)
dir. Amy Schumer - ★★★

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