O Oscar finalmente parece ir para o Ridley Scott, depois das esnobações em Diretor por Thelma & Louise, Gladiador e Falcão Negro em Perigo, respectivamente. E o filme que lhe dará a estatueta é certamente tão justo quanto apropriado. Perdido em Marte talvez não seja lá tão arrebatador quanto as expectativas puderam me projetar, mas é sim um espetáculo de filme. Conta com um elenco primoroso, a fotografia deslumbrante do Dariusz Wolski, a direção do Ridley Scott, forte candidata a melhor do ano. É certamente um filmaço.
E acredito que até é bem natural a parcial decepção com a qual o público recebeu o longa há dois meses, já que muitos anteviam Perdido em Marte como um novo Prometheus, o que ele definitivamente não é. Apesar de se passar no espaço como muitos outros trabalhos do Scott, a aventura sci-fi é um título bastante inusual na filmografia de alguém que já dirigiu, além de Prometheus, a gigantesca odisseia no espaço Alien - O Oitavo Passageiro, clássico, e que também já se aventurou em produções televisivas do estilo.
A polêmica em torno das indicações em Comédia ao Globo de Ouro não é 100% tão grave quanto muitos tem especulado por aí, até porque Perdido em Marte é um filme bastante cômico, até mais cômico do que dramático em si. Não diria que é uma surpresa. É muito provavelmente uma experiência afortunada ver uma química tão boa entre ficção científica e comédia, uma mistura bastante rara, e até mesmo inovadora, falando do preconceito que muitos nutrem acerca o gênero comédia, e que é bastante atual, já que o mesmo vem sendo detonadoramente rebaixado, e, portanto, esquecido. Dentre estes, Perdido em Marte pode muito bem ser visto como um exemplar exótico e bem-feito. Um tapa na cara de quem costuma ignorar e inferiorizar o gênero, que não anda tão mal quanto muitos andam pensando e praguejando.
Pela recenticidade, muitos andam comparando Perdido em Marte com Gravidade. É certo que há diferenças entre os dois, mas faz bem reforçar essa comparação, ainda mais quando ambos os trabalhos são ótimos e retratam espetacularmente a sobrevivência no espaço. É claro, Perdido em Marte não consegue superar Gravidade, mas há aspectos genuínos e parecidíssimos entre eles, como a presença de protagonistas talentosos e exageradamente bons, o Matt Damon aqui e a Sandra Bullock lá. Mas como não estamos discutindo Gravidade, falo-vos de Matt Damon, na sua melhor performance em anos, ator que passei a reconhecer não faz muito tempo, principalmente em comédias.
Matt está simplesmente fantástico na pele do astronauta da NASA e botânico Mark Watney, que, durante uma tempestade de areia em Marte, se acidente e é deixado para trás pelos membros da sua equipe, que deixam o planeta com o pior na mente: a morte do homem. Noticiada, a NASA informa que Watney faleceu em ofício, dadas as circunstâncias do acidente, quando na verdade o astronauta está vivinho no planeta, sobrevivendo escassamente diante de condições deploráveis. Sem poder informar sua equipe e a NASA sobre seu paradeiro, Mark, utilizando seu conhecimento em botânica, consegue montar dentro de uma base um laboratório, onde produz água e planta, com o adubo natural feito através de uma mistura com as fezes de seus colegas e dele. Apesar dos frequentes deslizes, ele vai se virando sozinho, enquanto luta contra o tempo para voltar à Terra, e também a estes problemas ligados à comunicação e à própria sobrevivência, que mostra suas garras nas horas mais inoportunas.
Enquanto a presença de uma sensação de extraordinário e angústia se prolonga pelo filme inteiro, também há, de relance, um pequeno mal-estar quanto à fermentação da trama, que por vezes soa demais pretensiosa e pouco explorativa. O roteiro de Drew Goddard, diretor de O Segredo da Cabana, terror-fenômeno dos últimos tempos, mostra-se perito em astronomia e ciência, como muitas vezes é visto nos auto-diálogos sempre muito científicos, e que lembram documentário, do personagem Watney, que filosofa bastante sobre seu conhecimento, e como ele usa esse veículo para seu benefício. Mas falta falar do coração do cara. Quer dizer, sem querer incitar sentimentalismo, mas dá a sensação de que ele é mesmo um marciano, ou talvez um robô, alienígena, já que são raríssimas as vezes em que vemos sua família ser citada - por exemplo. Acho que só no começo mesmo, quando ele é dado como morto.
Apesar de se passar num futuro nem tão distante, a história soa profundamente como atual, e não deixa vestígios dessa sua velocidade etária, o que é bastante estranho. Perdido em Marte, embora tenha falhas, é bastante identificável, e acho que o Ridley, no fundo, queria usar essa história como mecanismo da nossa realidade, e até mesmo como metáfora para certas dificuldades pelas quais passamos.
De uma forma ou de outra, o filme consagra-se pela sua qualidade expansiva, seu tecnicismo inventivo e um elenco potentíssimo (o já mencionado Matt Damon, numa atuação belíssima, a radiante Jessica Chastain, que mesmo aparecendo pouco consegue dar seu recado, Chiwetel Ejiofor, e o pessoal da comédia também está aqui, como o Jeff Daniels, o Michael Peña, a Kristen Wiig, o Sean Bean, e o rapper Donald Glover também aparece.
Perdido em Marte é, enfim, um filme preenchido pela humanidade. Se não abre portas para discussões morais e questionamentos mais aprofundados acerca tanto a situação quanto as muitas reações de diversas partes de Mark Watney, consegue vencer seus pequenos erros com uma dose extasiante de humanidade. E não é muito chamá-lo de um dos filmes mais humanos de 2015. Tal afirmação tem lá suas parcelas de exagero e verdade. O bom é ver um quase senhor Ridley Scott ativíssimo atrás de um trabalhão desses, alado a um elenco de primeira e um roteiro de um novato que certamente sabe o que faz. Perdido em Marte é maravilhoso.
Perdido em Marte (The Martian)
dir. Ridley Scott - ★★★★
E acredito que até é bem natural a parcial decepção com a qual o público recebeu o longa há dois meses, já que muitos anteviam Perdido em Marte como um novo Prometheus, o que ele definitivamente não é. Apesar de se passar no espaço como muitos outros trabalhos do Scott, a aventura sci-fi é um título bastante inusual na filmografia de alguém que já dirigiu, além de Prometheus, a gigantesca odisseia no espaço Alien - O Oitavo Passageiro, clássico, e que também já se aventurou em produções televisivas do estilo.
A polêmica em torno das indicações em Comédia ao Globo de Ouro não é 100% tão grave quanto muitos tem especulado por aí, até porque Perdido em Marte é um filme bastante cômico, até mais cômico do que dramático em si. Não diria que é uma surpresa. É muito provavelmente uma experiência afortunada ver uma química tão boa entre ficção científica e comédia, uma mistura bastante rara, e até mesmo inovadora, falando do preconceito que muitos nutrem acerca o gênero comédia, e que é bastante atual, já que o mesmo vem sendo detonadoramente rebaixado, e, portanto, esquecido. Dentre estes, Perdido em Marte pode muito bem ser visto como um exemplar exótico e bem-feito. Um tapa na cara de quem costuma ignorar e inferiorizar o gênero, que não anda tão mal quanto muitos andam pensando e praguejando.
Pela recenticidade, muitos andam comparando Perdido em Marte com Gravidade. É certo que há diferenças entre os dois, mas faz bem reforçar essa comparação, ainda mais quando ambos os trabalhos são ótimos e retratam espetacularmente a sobrevivência no espaço. É claro, Perdido em Marte não consegue superar Gravidade, mas há aspectos genuínos e parecidíssimos entre eles, como a presença de protagonistas talentosos e exageradamente bons, o Matt Damon aqui e a Sandra Bullock lá. Mas como não estamos discutindo Gravidade, falo-vos de Matt Damon, na sua melhor performance em anos, ator que passei a reconhecer não faz muito tempo, principalmente em comédias.
Matt está simplesmente fantástico na pele do astronauta da NASA e botânico Mark Watney, que, durante uma tempestade de areia em Marte, se acidente e é deixado para trás pelos membros da sua equipe, que deixam o planeta com o pior na mente: a morte do homem. Noticiada, a NASA informa que Watney faleceu em ofício, dadas as circunstâncias do acidente, quando na verdade o astronauta está vivinho no planeta, sobrevivendo escassamente diante de condições deploráveis. Sem poder informar sua equipe e a NASA sobre seu paradeiro, Mark, utilizando seu conhecimento em botânica, consegue montar dentro de uma base um laboratório, onde produz água e planta, com o adubo natural feito através de uma mistura com as fezes de seus colegas e dele. Apesar dos frequentes deslizes, ele vai se virando sozinho, enquanto luta contra o tempo para voltar à Terra, e também a estes problemas ligados à comunicação e à própria sobrevivência, que mostra suas garras nas horas mais inoportunas.
Enquanto a presença de uma sensação de extraordinário e angústia se prolonga pelo filme inteiro, também há, de relance, um pequeno mal-estar quanto à fermentação da trama, que por vezes soa demais pretensiosa e pouco explorativa. O roteiro de Drew Goddard, diretor de O Segredo da Cabana, terror-fenômeno dos últimos tempos, mostra-se perito em astronomia e ciência, como muitas vezes é visto nos auto-diálogos sempre muito científicos, e que lembram documentário, do personagem Watney, que filosofa bastante sobre seu conhecimento, e como ele usa esse veículo para seu benefício. Mas falta falar do coração do cara. Quer dizer, sem querer incitar sentimentalismo, mas dá a sensação de que ele é mesmo um marciano, ou talvez um robô, alienígena, já que são raríssimas as vezes em que vemos sua família ser citada - por exemplo. Acho que só no começo mesmo, quando ele é dado como morto.
Apesar de se passar num futuro nem tão distante, a história soa profundamente como atual, e não deixa vestígios dessa sua velocidade etária, o que é bastante estranho. Perdido em Marte, embora tenha falhas, é bastante identificável, e acho que o Ridley, no fundo, queria usar essa história como mecanismo da nossa realidade, e até mesmo como metáfora para certas dificuldades pelas quais passamos.
De uma forma ou de outra, o filme consagra-se pela sua qualidade expansiva, seu tecnicismo inventivo e um elenco potentíssimo (o já mencionado Matt Damon, numa atuação belíssima, a radiante Jessica Chastain, que mesmo aparecendo pouco consegue dar seu recado, Chiwetel Ejiofor, e o pessoal da comédia também está aqui, como o Jeff Daniels, o Michael Peña, a Kristen Wiig, o Sean Bean, e o rapper Donald Glover também aparece.
Perdido em Marte é, enfim, um filme preenchido pela humanidade. Se não abre portas para discussões morais e questionamentos mais aprofundados acerca tanto a situação quanto as muitas reações de diversas partes de Mark Watney, consegue vencer seus pequenos erros com uma dose extasiante de humanidade. E não é muito chamá-lo de um dos filmes mais humanos de 2015. Tal afirmação tem lá suas parcelas de exagero e verdade. O bom é ver um quase senhor Ridley Scott ativíssimo atrás de um trabalhão desses, alado a um elenco de primeira e um roteiro de um novato que certamente sabe o que faz. Perdido em Marte é maravilhoso.
Perdido em Marte (The Martian)
dir. Ridley Scott - ★★★★
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