sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Crítica: "IGUAL A TUDO NA VIDA" (2003) - ★★★★


Pedir mais de Igual a Tudo na Vida quando o filme já é um arraso é bem feio, e sinal de ingratidão pelo conteúdo excepcional que é. Poxa vida, ainda mais nesse projeto onde o diretor tinha tudo para calar a boca dos especialistas críticos com um, praticamente, revival de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, fato que talvez poderia cessar as exigências sem cabimento à um filme maior ou igual a, que tanto veio sendo protestado pela crítica nessa fase mal falada e nas primárias obras que sucederam o clássico Alleiano no fim da década de 70 e 80, com poucos exemplares tendo satisfeito o controverso paladar para cinema dos críticos. Quanto à mim, não tenho nada a reclamar. Igual a Tudo na Vida é um primor cinematográfico. Num de seus últimos grandes longas românticos, o diretor faz bom uso de autorreferências e constrói uma trama delicada e sem nenhum grave defeito, que prioriza acima de tudo a performance dos jovens astros Christina Ricci e Jason Biggs, casal no filme, o que certamente exemplifica o espaço do elenco jovem na filmografia do diretor, muito bem vista na sua última década de trabalho e nessa também, com a passagem de Emma Stone, Allison Pill, Jesse Eisenberg, e entre muitos outros. O próprio filme mais recente dele, Homem Irracional, compartilha essa temática.

Muito provavelmente pela idade, ou experiência, Woody veio abordando a juventude bem explicitadamente em suas últimas produções. E, nesse meio, Igual a Tudo na Vida pode ser visto tanto como o ponto de partida para esse idealismo quanto um bem-concluído destaque. O longa gira em torno de um iniciante escritor de piadas e humorista, Jerry Falk, cuja atual namorada, a espontânea e culta/"melindrosa" Amanda (por sinal admiradora de jazz, mencionando Cole Porter e Billie Holiday em um certo momento do filme, e também de literatura, dando de presente no aniversário de namoro com Jerry um livro de Sartre), só tira proveito, negativamente, de sua boa vontade e fascinação/ingenuidade fazendo com que ele seja humilhado, rejeitado, chifrado e pisoteado por ela sem descanso, e ele permanece indiferente diante de tais atos. Nem no sexo ele tem paz com as frescuras da mulher, apesar dela mesma não aguentar se afastar dele. É na vinda da mãe de Amanda, Paula Chase, que as coisas deslancham. Na tentativa de integrar o showbiz teatral com apresentações musicais, Paula passa a ocupar o tão adorado escritório do comediante e também atrapalhar a sua concentração com ensaios 24 horas num piano locado bem na meio do apartamento. 

Sem falar no agente anti e inadequado do rapaz, interpretado por Danny DeVito, com quem ele tem certos problemas com a renovação de um contrato que durará 7 anos. O receio de Jerry com a consumação desse contrato é que sua carreira poderá ir por água abaixo, e muito possivelmente não sairá do lugar. Mesmo assim, ele sente que deve agradecer, com esse contrato, aos anos de dedicação do homem à ele. Nesse cenário, surge a cômica figura de David Dobel, também escritor de piadas que, apesar de ser ateu, é fanático pela religião e violentamente contra o antissemitismo, como o filme bem deixa claro em cenas únicas, como a onde o diretor espatifa o automóvel de dois rudes caras que tomaram a sua vaga. Definitivamente engraçado. 

Apesar do amalucado trânsito de emoções e das poucas e boas, o casal se entende e é justamente nesse ponto onde o romantismo atinge seu auge, na beleza de um disparate de visões e num furacão hormonal incessante, que perdura por todo o filme, com a Amanda vira e mexe se autointitulando gorda - o que, acreditem, não é pra menos, quando o personagem é mesmo um saco sem fundo, e o Jason Biggs, na insegurança de sua vida amorosa jovial, incapaz de encerrar relacionamentos, o que talvez bem seja a razão para ele aturar o filme todo calado as patifarias da amada.

Do elenco, a dupla protagonista, os talentosíssimos prodígios Christina Ricci e Jason Biggs, já conseguem comandar o filme com certa maturidade, mas Woody Allen, aqui coadjuvante, consegue falar mais alto com um personagem incomum e nunca visto em sua carreira, que já foi bem definido anteriormente. Quero dizer, é um pouco estranho vê-lo num personagem da altura, ainda que o mesmo esteja adepto aos sensacionalismos neuróticos típicos à Allen. Mas o mesmo é preenchido por uma coragem, uma personalidade psicótica e certeira tão intensa, que acaba assustando. Mas vale pelas piadas excelentes, como sempre. Só de exemplo, a na qual ele fala que aprecia a masturbação mais do que o próprio sexo, visto que ele, uma vez, fantasiou um ménage à trois entre ele, Sophia Loren e Marylin Monroe. Posso parecer normal, mas ri feito um condenado nessa parte. 

O final, confesso, decepciona, mas não por isso deixa de ter sua parcela de qualidade, até porque tem vezes em que o amor é difícil de se controlar, imprevisível (ou não) à sua maneira, e nem sempre dá pra sair ileso de seus conflitos. Igual a Tudo na Vida, apesar de ter sido financiado pela Dream Works, produtora do Spielberg, e também ser si próprio um trabalho mais popular, de clima cool de Sessão da Tarde, não conseguiu chamar a atenção em seu lançamento, que resultou em apenas 13 milhões. Vai entender. Afinal, para um Woody Allen não é um filme tão existencial ou intelectual como é de costume. 

A leveza de Igual a Tudo na Vida concentra-se na sua rica filosofia que projeta o romance jovial em seu melhor, o amor que não depende de estereótipos inflados para fazer sentido e que consegue vencer as pretensões da idade de tão mágico que é. Um amor verdadeiro, quando sua força aniquila segundas intenções. Talvez nem tão correspondido assim, mas que deixa sua marca por autenticidade, por ser, de fato, uma experiência desconcertante. Ele até pode ser visto como um retrato anti-machismo, com a mulher fazendo a cabeça do rapaz, o traindo e até mesmo o minorizando, relevando outros elementos além dele, e sequer atestando a existência do amor na relação, o que vai contra a frequente imortalização feminina. É uma pena que não foi (surpreendentemente) visto, ainda mais pelo público juvenil e povão, o qual este é direcionado, muito menos aceito tanto pela crítica e público no geral. Consiste numa ideia tão simples e divertida, contagiosa. Maravilhoso, ao meu ver.

Igual a Tudo na Vida (Anything Else)
dir. Woody Allen - 

Nenhum comentário:

Postar um comentário