segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Crítica: "A JUVENTUDE" (2015) - ★★★★½


Puxa vida! Juventude é simplesmente excepcional. Excepcional. Terminei o filme impactado, arrasado, literalmente sem o que dizer. Tenho de confessar que esse texto é, muito provavelmente e somente, a tentativa de declarar a minha paixão por esse longa, fascinante em todos os sentidos, o que significa que nem sempre o que eu disser, para quem não viu e viu, soará coerente, racional ou, de fato, relevante. Digam o que quiser, mas esse é um filme maior. Bem maior. O que faltava em A Grande Beleza tem de sobra em Juventude, sem querer minimizar a qualidade do vencedor do Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro nas antepenúltimas edições dos respectivos prêmios. Paolo Sorrentino volta a trabalhar com a velhice, tema recorrente na sua filmografia (presente em todos os seus sete filmes, contando com esse), mas desta vez espectralizando os resquícios da terceira idade nos anseios e clamores da juventude. 

Se em A Grande Beleza Paolo filmava no personagem de Toni Servillo (seu muso), o Jap Garbardella, a velhice como motor da reflexão da personalidade, não apenas discutindo nessa jogada os males da idade e suas transgressões, mas também a impessoalidade da leviandade e a evolução do ser, em Juventude ele alveja o apogeu da sua obsessiva temática contando com essa moral e novos princípios, ainda mais complexos do que o abordado lá. 

No filme, ele consegue analisar a convivência com a velhice, tanto no seu estado geral como no seu estado interior, ou seja, a convivência de um idoso com um grupo variado, o grupo variado se relacionando com o idoso e o idoso lidando com a chegada da velhice, e como essas várias interligações e relações fazem conexão com as turbulências da juventude, e como desse ponto há um encadeamento muito singular que delibera as muitas angústias e desejos das idades. Da era jovem, da era adulta (minimante retratada) e da era idosa. Mas Paolo vai além. Tudo o que sua lente capta vai além. De pensamentos naturais e fugazes, Paolo ejeta as destrezas de uma sensibilidade muito intensa e vívida, altiva, energética, que ultrapassam essas ligações. O que realmente importa é a leveza do sentimento. 

Dentro de um spa nos Alpes Suíços, emergem diversas histórias, que apontam para todas as direções, vindas de todos os lugares e muitos corações. O filme, no entanto, focaliza na amizade muito peculiar entre um cineasta norte-americano, Mick Boyle (Harvey Keitel), que está desenvolvendo seu próximo projeto cinematográfico, seu "testamento", e um maestro britânico, Fred Ballinger (Michael Caine), que vive sendo atazanado pelo pedido de uma apresentação de sua "grande obra" vindo do assessorado da rainha da Inglaterra, e que sobrevive da amizade com Mick. 

Fred mantém uma fama de apático e frio mas esconde, timidamente, culpa e rejeição a si mesmo pelo passado e seu relacionamento com a família, especialmente com sua devota esposa, pelos erros cometidos. Enquanto sua filha (Rachel Weisz), que está atravessando um pesaroso divórcio, encontra nele um lugar para descontar seu desgosto e raiva, Fred vai, aos poucos, adquirindo interesse em outro hospedado, o famoso ator Jimmy Tree (Paul Dano), que vê no maestro um gênio e um espelho.

Há também a jovem prostituta de baixa estima, o jogador de futebol enfrentando graves problemas de saúde, a enigmática massagista, a incomum pré-adolescente que aprecia produções cult, a atriz decadente e brega instável prestes a estrelar um programa de TV como forma de readquirir fama e dinheiro, mas que ainda vê no cineasta que a lançou a esperança de afastar as inseguranças que sua vida abraça, a sedutora Miss Universo pagando uma de dona do mundo, todos esses personagens circulando pelos corredores do santuário do sucesso e da desilusão. 

No fim, Juventude não é um filme complicado. Acontece que há muito o que digerir. Beleza, filosofias da idade, humor, drama, mistérios irresolvidos, personagens fortes que locomovem a vértice da existência, fantasia e realidade. É tanto que a grande parte das sequências envolvendo alguns dos personagens anteriormente citados, secundários, muitas vezem nem envolvem diálogo, mas sim apenas movimentos ou expressões corporais, e nestas é que percebemos ou esforço ou angústia, desejo e provocação. Juventude clama o amor. O amor traduzindo amor. Cenas de elegância sentimental vital. 

E que elenco, hein? Paolo Sorrentino é um diretor de sorte por ter tido a oportunidade única de trabalhar com atores tão fenomenais. E estes atores são ainda mais sortudos, por terem trabalhado com um cara tão único e brilhante como Paolo, diretor de talento invejável. E muitos desses atores estão com tudo, estampando reuniões de melhores performances do ano merecidamente. A começar pelo Michael Caine, cujo papel, sério e estático, se permite a risadas em pouquíssimos momentos do filme, mas tem a sua dor espelhada em lágrimas, regadas a um misto de arrependimento e perdição. Ele está absolutamente fantástico na pele do maestro Fred Ballinger. 

O Harvey Keitel (Mick) também não está tão mal. Me surpreendi mesmo com a Jane Fonda, cuja performance a rendeu uma indicação ao Globo de Ouro em Atriz Coadjuvante nesse ano e ela está sendo cotadíssima pro Oscar. Ela só aparece em duas cenas. Mas nunca duas míseras cenas, sendo ambas engraçadíssimas. E ela está ótima no papel, que, apesar de pequeno, consegue roubar nossa atenção. Só acho que ela está sendo bastante superestimada. A Rachel Weisz, por exemplo, merecia estar no lugar dela. Adoro essa menina. Ainda mais na performance de valor e cunho na qual ela se encontra, a filha e assistente do maestro. Atuação ruidosa e cativante. O Paul Dano rouba a cena quando anda pelo spa encarnando Hitler. É bem cômico e estranho. A cena onde ele está jantando no lobby é pra lá de divertida. Me pergunto se ele não seria ótimo num filme estrelando o ditador. Quem sabe alguém não decide fazer depois dessa. 

A beleza de Juventude é representada em muitas formas. No seu próprio visual, arquitetado pelo colaborador do Sorrentino, Luca Bigazzi, que consegue criar um contraste perfeito entre escuridão e brilho. Entre as cenas mais visualmente bonitas, estão a cena da epifania do maestro, uma das primeiras, e que estampa o poster do filme (este publicado), e também não me esqueço da cena da modelo na piscina, que estampa outro grande poster do filme; a cena de abertura, com uma banda tocando e uma belíssima cantora interpretando "You've Got the Love", também merece destaque; Mas creio que a sequência final, onde é tocada a "Simple Song #3", é insuperável, tanto nas questões de ser bela quanto na questão de ser grandiosa. É emocionante. Quase chorei, pra ser mais exato. A música é tão tocante. Fortíssima. 

Não há diferença entre uma jovem garota respondendo a mãe e um maestro comemorando uma boa mijada. É isso que Juventude testifica. Jovens e velhos no mesmo ritmo. A idade desvalorizada como parte da vida. Não é uma fase. Idade reflete nos sentimentos, reflete nas ações e na consciência, nos muitos modos de pensar e no nosso próprio bem estar, na estima física e psicológica, na propagação das mágoas e no desvanecimento da opinião, A beleza em Juventude, mais do que representada no seu visual, é vista na sua sensibilidade, emotiva e rara, repleta de humanidade e calor. 

Resta ao espectador comemorá-la, refletir sobre a idade como doce e veneno. Será que vale se preocupar tanto com o passar dos anos, com espinhas e rugas sendo um só? Será que vale ser imortalizado e empossado como gênio mesmo sem ter o adequado reconhecimento? Será que vale lamentar? Será que vale esperar? A nossa personalidade pode oscilar, pensamentos amadurecer, desejos transformar e tempo passar, mas, no fundo, o nosso destino é o mesmo. Certas coisas mudam e não mudam. É a vida. Mas uma certeza fica: dentre as muitas distâncias, as idades também tem um só destino. Obrigado, Paolo Sorrentino. Meu presente de Natal já tem nome, e é o maior em tempos: Juventude, uma obra-prima sem igual. Definitivamente primoroso e radiante.

A Juventude (Youth)
dir. Paolo Sorrentino - ★½

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