" - O que eu digo para o Abel?
- Diga pra ele não morrer."
Terminar 2015, falando em cinema, sem ver Ponte dos Espiões (inicialmente intitulado St. James Place, ou O Lugar em St. James), o mais novo trabalho do Steven Spielberg, é quase que um pecado, pelo menos pra mim, que considero o cineasta um dos mais sadios e importantes da história e dessa geração. Agora confesso que fico mais calmo com o título riscado da minha lista. Missão oficialmente cumprida. O ano mal acabou e já estou fazendo meus pedidos para 2016. Em primeiro lugar, fica: "um cinema variado e, por favor, de qualidade e com filmes legendados, o mais próximo possível de mim", e caso este não se realize "filmes de qualidade num cinema próximo de mim - legendados, se possível", o que é bem improvável. Mas há esperança para tudo. Para a minha alegria, um shopping nas proximidades está em fase de construção. Viva! Mas ele será apenas concluído em 2017. Enfim, comentemos Ponte dos Espiões, enquanto não me embebo de ilusão, épico ambientado na Guerra Fria, estrelando Tom Hanks em mais uma colaboração bem-sucedida com o Spielberg.
No filme, Tom interpreta James B. Donovan, advogado nova-iorquino que trabalha no ramo dos seguros, e que é convocado para ser o advogado do espião alemão Rudolf Abel, que foi apreendido em território americano e agora é julgado por diversos crimes. Enquanto isso, um soldado americano, após um acidente aéreo, é capturado pelos soviéticos, julgado e torturado no país. Até que o governo dos Estados Unidos decide fazer um acordo para negociar uma troca, com a libertação do espião Rudolf Abel e o retorno do combatente de guerra Francis Gary Powers.
E quem pensa que a história para por aí se engana. Donovan, de bom coração, também deseja firmar um acordo com o governo democrático alemão para garantir a salvação e libertação de um estudante, Frederic Pryor, durante a sua estadia em Berlim, o que lhe reserva os mais turbulentos desencontros e empreitadas.
O personagem de Donovan entra num puxado dilema ao se deparar com as muitas pedras pelo seu caminho. Para muitos, ele na defesa de um homem considerado traidor e ajudante dos soviéticos é sinal de desonra à pátria, quando, na verdade, a intenção (incompreendida) dele é apenas ser o advogado do homem, e não seu beneficente em outro sentido além desse, do sentido de defendê-lo judicialmente. Como ele mesmo tenta deixar claro, à própria mulher e aos colegas, é apenas seu trabalho. Até serve de lição pra quem vê com preconceito a relação entre advogado e acusado, e como essa relação implica numa certa complexidade, querendo dizer que é tão confuso que não é possível realmente compreender quem é quem na jogada, e quais as suas reais intenções.
Ponte dos Espiões, em um contexto minimalizado, é (in)diretamente um retrato dos bastidores da justiça. Uma cena que universaliza bem isso é a na qual James se encontra com um juiz dias antes do julgamento do Rudolf Abel, com o juiz, numa irreparável ignorância, repreende Donovan e vai contra as suas testificações de absolver o espião. O povo americano, querendo a cabeça de Rudolf, fica insatisfeito com a abdicação de sua pena de morte, convertida em um tempo de 30 anos na prisão. Sob a ressalva de que Rudolf poderia ser material de troca caso algum americano fosse capturado pelos soviéticos, Donovan tem de encarar calado a rejeição do público e também ameaças de demissão no trabalho.
Mas o jeito que ele segue em frente, calmo e sem muitos rodeios, lembra muito o jeito do meu pai, senhor de mais de 60 anos, e que sempre foi uma pessoa muito equilibrada, nunca foi de perder a cabeça por nada, o tom de voz baixo... Um exemplo. Ironicamente, sou uma pessoa bastante nervosa. Não sou barraqueiro nem nada, mas sou bastante perturbado, confesso. Me irrito facilmente e praticamente tudo o que dá errado na minha vida eu encubro com nervosismo. Mas, voltando ao filme, Donovan, pacato, parece arquitetar em sua mente uma forma de re-obter aplausos do seu público. Uma coisa leva à outra. Porém, Spielberg não deixa nada muito às soltas até o final, onde muita coisa acontece e a situação que deveria ser conduzida com pacifismo logo vai se marginalizando e virando um enorme caos.
Mais um trabalho furiosamente erguido com espírito político ávido, Ponte dos Espiões é bastante semelhante com alguns dos trabalhos anteriores do Spielberg, que bem podem demonstrar essa aptidão política. Lincoln, o mais recente depois de Ponte dos Espiões, entra para essa safra sem precisar de nenhuma explicação que acuse uma relação indireta com essa linhagem, até porque é a cinebiografia de Abraham Lincoln. Cavalo de Guerra raramente aponta para esse feeling, mas não é, nem mesmo indiretamente, creio, um filme lá de base versada em defrontes políticos. Nem mesmo O Terminal, um dos últimos mais deliciosos longas do Steven, atinge esse padrão, apesar de ser indiretamente um filme por sobre um abalo que deixou feridas na política dos Estados Unidos, o 11 de setembro. Mas são justamente os dois filmes seguintes do diretor, depois desse, que podem ser enquadrados nesse estilo, sem erro: Guerra dos Mundos e Munique.
Estes dois, juntos a Lincoln e muito timida e possivelmente O Terminal, e agora Ponte de Espiões, apontam leve patriotismo, não o patriotismo do gênero Clint Eastwood. É bem provável afirmar que esse patriotismo é característica própria dessa fase do cineasta. A cena que mais deixa isso claro é na qual o soldado americano Powers, preso pelos comunistas soviéticos, é espancado e torturado em seu cárcere um pouco antes da firmação da troca de prisioneiros entre os soviéticos e os americanos. Ao fim desta cena, há um rápido corte para o cárcere de Rudolf Abel, que, dormindo em sua cela, onde também pinta e pode ouvir rádio, é despertado tranquilamente, sem qualquer espécie de violência, por um guarda.
Essa cena, assim como muitas outras, até mesmo separadas (como os segmentos onde ambas as partes tentam fazer um acordo para obter informação privilegiada de seus prisioneiros, com os E.U.A. usando como escudo palavras e a U.R.S.S. cassetetes e violência física), dão a ideia de que os comunistas, ambos os alemães e os soviéticos, são mesmo barra pesada, no sentido de serem maus, imprestáveis e sujos. Outra coisa interessantíssima sobre Ponte dos Espiões é que o filme também utiliza o humor para quebrar a ácida tensão quase que constante que toma conta do filme, dos momentos iniciais aos créditos, um humor disfarçado, típico do Steven Spielberg, ainda que arrojado e duro, ironicamente falando.
Com o novo Ponte dos Espiões, Spielberg confirma aquilo que já estamos baita cansados de saber: que é simplesmente o cara, um realizador de primeira e incomparável, que nunca perde a mão, sabe bem o que faz. Um definitivo "homem persistente". Com ele, temos de sobra segurança e qualidade. E aqui não foi diferente. E os irmãos Coen aprontando excelente no roteiro, ao lado de Matt Charman, eletrizante e eloquente, a segunda aventura deles num trabalho de roteiro sem ser em direção, isso num único ano. Infelizmente, Invencível, a primeira aventura em questão, não é lá flor que se cheire. Mas Ponte dos Espiões, esse sim é. Um buquê de rosas!
Ponte dos Espiões (Bridge of Spies)
dir. Steven Spielberg - ★★★★
E quem pensa que a história para por aí se engana. Donovan, de bom coração, também deseja firmar um acordo com o governo democrático alemão para garantir a salvação e libertação de um estudante, Frederic Pryor, durante a sua estadia em Berlim, o que lhe reserva os mais turbulentos desencontros e empreitadas.
O personagem de Donovan entra num puxado dilema ao se deparar com as muitas pedras pelo seu caminho. Para muitos, ele na defesa de um homem considerado traidor e ajudante dos soviéticos é sinal de desonra à pátria, quando, na verdade, a intenção (incompreendida) dele é apenas ser o advogado do homem, e não seu beneficente em outro sentido além desse, do sentido de defendê-lo judicialmente. Como ele mesmo tenta deixar claro, à própria mulher e aos colegas, é apenas seu trabalho. Até serve de lição pra quem vê com preconceito a relação entre advogado e acusado, e como essa relação implica numa certa complexidade, querendo dizer que é tão confuso que não é possível realmente compreender quem é quem na jogada, e quais as suas reais intenções.
Ponte dos Espiões, em um contexto minimalizado, é (in)diretamente um retrato dos bastidores da justiça. Uma cena que universaliza bem isso é a na qual James se encontra com um juiz dias antes do julgamento do Rudolf Abel, com o juiz, numa irreparável ignorância, repreende Donovan e vai contra as suas testificações de absolver o espião. O povo americano, querendo a cabeça de Rudolf, fica insatisfeito com a abdicação de sua pena de morte, convertida em um tempo de 30 anos na prisão. Sob a ressalva de que Rudolf poderia ser material de troca caso algum americano fosse capturado pelos soviéticos, Donovan tem de encarar calado a rejeição do público e também ameaças de demissão no trabalho.
Mas o jeito que ele segue em frente, calmo e sem muitos rodeios, lembra muito o jeito do meu pai, senhor de mais de 60 anos, e que sempre foi uma pessoa muito equilibrada, nunca foi de perder a cabeça por nada, o tom de voz baixo... Um exemplo. Ironicamente, sou uma pessoa bastante nervosa. Não sou barraqueiro nem nada, mas sou bastante perturbado, confesso. Me irrito facilmente e praticamente tudo o que dá errado na minha vida eu encubro com nervosismo. Mas, voltando ao filme, Donovan, pacato, parece arquitetar em sua mente uma forma de re-obter aplausos do seu público. Uma coisa leva à outra. Porém, Spielberg não deixa nada muito às soltas até o final, onde muita coisa acontece e a situação que deveria ser conduzida com pacifismo logo vai se marginalizando e virando um enorme caos.
Mais um trabalho furiosamente erguido com espírito político ávido, Ponte dos Espiões é bastante semelhante com alguns dos trabalhos anteriores do Spielberg, que bem podem demonstrar essa aptidão política. Lincoln, o mais recente depois de Ponte dos Espiões, entra para essa safra sem precisar de nenhuma explicação que acuse uma relação indireta com essa linhagem, até porque é a cinebiografia de Abraham Lincoln. Cavalo de Guerra raramente aponta para esse feeling, mas não é, nem mesmo indiretamente, creio, um filme lá de base versada em defrontes políticos. Nem mesmo O Terminal, um dos últimos mais deliciosos longas do Steven, atinge esse padrão, apesar de ser indiretamente um filme por sobre um abalo que deixou feridas na política dos Estados Unidos, o 11 de setembro. Mas são justamente os dois filmes seguintes do diretor, depois desse, que podem ser enquadrados nesse estilo, sem erro: Guerra dos Mundos e Munique.
Estes dois, juntos a Lincoln e muito timida e possivelmente O Terminal, e agora Ponte de Espiões, apontam leve patriotismo, não o patriotismo do gênero Clint Eastwood. É bem provável afirmar que esse patriotismo é característica própria dessa fase do cineasta. A cena que mais deixa isso claro é na qual o soldado americano Powers, preso pelos comunistas soviéticos, é espancado e torturado em seu cárcere um pouco antes da firmação da troca de prisioneiros entre os soviéticos e os americanos. Ao fim desta cena, há um rápido corte para o cárcere de Rudolf Abel, que, dormindo em sua cela, onde também pinta e pode ouvir rádio, é despertado tranquilamente, sem qualquer espécie de violência, por um guarda.
Essa cena, assim como muitas outras, até mesmo separadas (como os segmentos onde ambas as partes tentam fazer um acordo para obter informação privilegiada de seus prisioneiros, com os E.U.A. usando como escudo palavras e a U.R.S.S. cassetetes e violência física), dão a ideia de que os comunistas, ambos os alemães e os soviéticos, são mesmo barra pesada, no sentido de serem maus, imprestáveis e sujos. Outra coisa interessantíssima sobre Ponte dos Espiões é que o filme também utiliza o humor para quebrar a ácida tensão quase que constante que toma conta do filme, dos momentos iniciais aos créditos, um humor disfarçado, típico do Steven Spielberg, ainda que arrojado e duro, ironicamente falando.
Com o novo Ponte dos Espiões, Spielberg confirma aquilo que já estamos baita cansados de saber: que é simplesmente o cara, um realizador de primeira e incomparável, que nunca perde a mão, sabe bem o que faz. Um definitivo "homem persistente". Com ele, temos de sobra segurança e qualidade. E aqui não foi diferente. E os irmãos Coen aprontando excelente no roteiro, ao lado de Matt Charman, eletrizante e eloquente, a segunda aventura deles num trabalho de roteiro sem ser em direção, isso num único ano. Infelizmente, Invencível, a primeira aventura em questão, não é lá flor que se cheire. Mas Ponte dos Espiões, esse sim é. Um buquê de rosas!
Ponte dos Espiões (Bridge of Spies)
dir. Steven Spielberg - ★★★★
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