domingo, 20 de dezembro de 2015

Crítica: "O VALE DO AMOR" (2015) - ★★★★


É sempre um prestígio ver a Isabelle Huppert a cada ano trazendo novos trabalhos interessantíssimos às telas, sendo ou não esse trabalho bom. Ela é uma das únicas atrizes que possuem esse dom, de me enfeitiçar e cativar importando ou não a qualidade do filme em que está. O Vale do Amor, exibido há alguns meses na mais recente edição do Festival de Cannes, me chamou a atenção desde a estreia, e vim nutrindo por esse filme, mesmo sem tê-lo visto, um carinho muito especial, já que nele estrelam, em dupla, Isabelle Huppert e Gerárd Depardieu, dois dos meus intérpretes franceses prediletos. No drama, eles interpretam um casal que, após a morte do filho homossexual, Michael, viaja ao Vale da Morte, desértica e turística região dos Estados Unidos, a pedido do falecido, que lhes enviou uma carta do além alegando comparecer fisicamente em um dos pontos do quente deserto citados na carta. O reencontro de ex-marido e ex-mulher ocasiona frequentes discussões, mas também reavive o amor que ainda existe entre eles.

O Vale do Amor lembra em certos aspectos o recentemente visto Dois Lados do Amor, que também conta com a participação da Isabelle Huppert como coadjuvante, no papel da mãe da personagem da Jessica Chastain no filme. A principal semelhança entre essas duas obras é o relato do luto, muito embora esse esteja bem mais presente no segundo do que neste. Ainda que divague bastante sobre o luto, sobre as possibilidades de vida após a morte e espiritualidade (temas que, por sinal, ressurgem e ficam bastante nitidizados lá pro final), O Vale do Amor discute mais o ressurgimento da paixão, a confirmação do amor como eterno e para o sempre, mesmo que contra a vontade dos dois protagonistas, atores, um deles conhecidíssimo, mas a outra tem uma filmografia bastante limitada.

O interessante sobre isso é que, ambos os personagens levam os nomes de seus atores, Isabelle e Gerárd. E é verdade que o Gerárd é mais conhecido pelo grande público, tanto pelo próprio cinema francês, quanto pelas produções feitas no estrangeiro, bem como nos Estados Unidos, e a Isabelle é mais conhecida pelo público cult, uma vez dos títulos dos quais ela participa, e trabalhos com os mais diversos diretores, de Godard a David O. Russell, não são lá tão generalizados. Eu até acho que, para um público comum, Gerárd Depardieu deve ser um dos rostos mais famosos quando se fala em cinema francês. 

Este é o primeiro filme de Guillaume Nicloux que vejo. Um dos únicos dele, se não for o primeiro, que chegou ao nosso circuito foi A Religiosa, também com a Isabelle Huppert, que ainda não tive a oportunidade de conferir. Não tenho nada a reclamar, em geral, quero dizer, sobre O Vale do Amor. É um filme ótimo. É certo que há erros, mas eu não vejo nada tão significante que possa arruinar o filme. Talvez o andamento do roteiro do Nicloux, que se perde lá pelo final, decepciona um pouco. Mas a Isabelle é tudo. Que mulher, cara! Uma das melhores, e numa performance de valor. O mesmo digo do Gerárd, sumido, que parece procurar para si um lugarzinho no chamado cinema cult (mencionando Bem-Vindo a Nova York pra começo de história), e vai, esvanecidamente, se desvencilhando do cinema comercial. É um bom sinal e um mal sinal. Ele terá enormes resultados se continuar a vagar por produções menores, mas em contrapartida correrá o risco de cair no esquecimento, e tornar-se como a Isabelle: um desconhecido ao grande público. Não digo que isso é necessariamente um problema. Mas será preciso enfrentar certos obstáculos.

O luto, nunca sensacionalista, é ocasionalmente eclipsado pelo humor de algumas situações encarnadas pela Isabelle e pelo Gerárd, na busca pelo filho num deserto escaldante e tortuoso, que não lhes dá descanso algum, dando a simular um inferno, e que ficam de hora em hora brigando feito crianças, muito embora quem faça rir mesmo é o Gerárd. A Isabelle não perde a pose séria nem nessas cenas, sempre muito sarcástica e timidamente abrupta com as palavras e os sentimentos. Há um enorme desencontro de visões e opiniões apartando essa relação, mas é interessante ver que eles sempre estão juntos, e nunca deixam as brigas os separarem ou os distanciarem da missão deles. Há um certo momento no filme em que bate um cansaço, justamente nas sequências onde Isabelle e Gerárd estão à procura do filme do filho e sua suposta aparição. Outra decepção em O Vale do Amor, tocando nesse ponto, é a cena chave, menos impactante do que pensava que seria. O certo é que O Vale do Amor é um filme de atriz. E ator, pra não se esquecer. O casal Huppert e Depardieu é um primor. Parceria memorável.

O Vale do Amor (Valley of Love / La Vallée de l'amour)
dir. Guillaume Nicloux - 

2 comentários:

  1. Acrescento ao comentário a música de Charles Ives, presença marcante no filme. Abço, Adriana Riva

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    1. Ah, é claro. Como foi que eu esqueci desse fator tão importante? A música é excelente. Valeu por mencionar.

      Abraço, Adriana.

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