terça-feira, 4 de abril de 2017

FRAGMENTADO (2016)


Fato é que Shyamalan é um dos cineastas de maior destaque do cinema americano contemporâneo. Com uma filmografia amada/odiada por muitos, é uma figura tanto controversa quanto aplaudida por seus trabalhos mais requintados e outros que muita gente faz questão de criticar, por melhor que estes são. Já não é o caso específico do novo (e aguardado) thriller do diretor, Fragmentado, clamado como seu "grande retorno" (um grande equívoco, visto que os fracassos "críticos" de Shyamalan tem uma difamação bastante subjetiva e, por vezes, até errônea, injusta e desqualificada) às telonas trata-se de um filme que coleciona muitos méritos, dentre estes um ponto que se sobressai, a arquitetação de uma atmosfera de suspense riquíssima e extraordinariamente bem elaborada. 

Na trama, Kevin, um homem que sofre de um grave transtorno de personalidade, sequestra três jovens e as confina em um cativeiro pouco improvável. A história gira em torno das obsessões deste homem e suas múltiplas personalidades enquanto ele desenvolve uma relação tempestuosa com as jovens, sobretudo com Casey (a talentosa Anya Taylor-Joy, uma das mais promissoras atrizes da geração) a adolescente com quem tende a conversar frequentemente, em especial com a personalidade infantil de Kevin, um garoto de nove anos, Hedwig.

No que diz respeito à construção de uma atmosfera de suspense impecável, Fragmentado certamente não decepcionará a quem for assisti-lo com a expectativa de encontrar um thriller eletrizante, com momentos singulares e uma trama engenhosa, inteligente, do gostinho que Shyamalan sabe fazer como ninguém. Se a crítica não tem dado trégua para um dos diretores americanos mais subestimados não só desta geração mas provavelmente de todos os tempos, Fragmentado está aí, novamente, assim como muitos de seus trabalhos anteriores, para provar que o cinema de M. Night continua firme e forte.

É pelo dito fracasso de filmes excepcionais, obras, do cineasta, como A Dama na Água, Fim dos Tempos e A Vila que muitos fãs e boa parte da crítica tinha em mente a esperança deste ser o "triunfal regresso" de M. Night às telas. Como ele nunca esteve em péssima forma, não acho que o filme seja um regresso, por mais brilhante que seja, até porque o recente A Visita se saiu bem melhor que este filme em muitos pontos que neste aqui revelam irregularidades. No papel de Kevin & cia., James McAvoy, em sua primeira grande performance de destaque, entrega um desempenho tanto fenomenal quanto astuto. Taylor-Joy, a reconhecida estrela do filme de terror de sucesso A Bruxa, está excepcional.

A história é costurada com uma narrativa convencional, sem medo de exagerar em recursos que a tornem apreensiva, medonha, quão bem construída e estruturada. O roteiro é escrito com a excelência de quem sabe criar uma história de suspense de verdade. E se ainda cobram de Shyamalan um novo O Sexto Sentido, é bem provável que Fragmentado cale esses chamados tão desnecessários.

O desfecho em um dado momento atinge um clímax empolgante, quase pulsante, causando uma atração magnética do espectador pela resolução tão aguardada de uma história que se enlaça em vários contextos e se transforma em uma metáfora riquíssima sobre a natureza humana, os predadores e as vítimas, e sobre nossa própria identidade enquanto seres humanos, nosso "lado animal", a caça e o caçador. Numa história onde todos são vítimas das consequências de traumas, de passados, de feridas que não cicatrizaram, dos medos mais profundos e das vontades mais angustiadas da alma inquieta.

Shyamalan ainda está de pé, e seu novo filme engana pelo apetite comercial, pois encontra-se envolto de uma complexidade rebuscada e perplexa. Há quem enxergue neste cinema tão potente, ainda que sejam poucos, um brilho radiante, o poder da imagem e da linguagem cinematográfica. Sim, meus amigos, este é um filme brilhante dirigido por um cara que, mais uma vez, está totalmente coberto de razão em suas abordagens e em seu estilo de fazer cinema. E o resultado é duplamente um suspense delicioso, um comovente estudo de personagem e uma paradoxal representação simbólica da ferocidade dos nossos atos e do nosso pensamento.

Fragmentado (Split)
dir. M. Night Shyamalan
★★★★

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