Do aclamado cineasta romeno Cristi Puiu, tido como um dos nomes mais promissores do novo cinema romeno, autor dos aplaudidos A Morte do Sr. Lazarescu (vencedor do prêmio Um Certo Olhar em Cannes, no ano de 2005) e Aurora, veio esta preciosidade da sétima arte, um filme estimadíssimo, um dos mais obrigatórios lançamentos do ano de 2016: Sieranevada. Tive a sorte de conferir essa obra no cinema ainda no começo desse ano, embora tenha sido lançado por aqui em dezembro passado. E o resultado foi uma das experiências mais prazerosas e especiais que eu já tive dentro de uma sala de cinema, pelo menos nos anos mais recentes.
O filme tem quase três horas de duração – e boa parte deste se passa dentro de um apartamento – pouca ação, pouca movimentação, nada de grandes acontecimentos e reviravoltas ou rumos surpreendentes, e justamente por isso é compreensível que o público mainstream se afaste desse tipo de filme, que tende a exigir mais do espectador e um pouco de concentração para compreender seus detalhes e suas propostas.
A família de um neurocirurgião se reúne no apartamento da matriarca para um evento religioso no decorrer da morte do patriarca, há um ano. O reencontro é recheado de momentos virtuosos, muitos engraçados e outros mais dramáticos, enquanto se instala um clima de instabilidade e nervosismo entre as figuras que transitam no quase minúsculo apartamento da família, obrigando todos a se, eventualmente, cruzarem nos corredores, na cozinha ou no caminho ao banheiro.
A câmera executa um balé delicado em torno dos personagens, presenciando momentos de conflito e atrito entre estes, e outras vezes de uma beleza incalculável, tamanha a sensibilidade que o elenco – primoroso, primoroso, primoroso – evoca. A câmera é um dos membros do elenco também, um personagem invisível, que circula entre os corredores, segue personagens, e depois segue outros, adentrando os cômodos do apartamento onde transitam os personagens.
O filme, deliciosamente bem executado e arquitetado, produz sua crítica social feroz e genial à medida em que registra diálogos acirrados – como aquele da senhora discutindo sobre o socialismo, uma das melhores sequências do filme todo – e momentos singelos e despretensiosos que acabam tendo um certo impacto, e a proposta em si de adequar os personagens e as situações em que se encontram em cada cômodo da casa, como se estes fossem subdivisões de uma própria sociedade – a micro-representação da política na Romênia também se encaixa nesta proposta do filme – e cabe ao espectador interpretar esse estudo minucioso, em sua forma mais cinematográfica.
O elenco – mais uma vez – como um todo, de índole perspicaz e aguçada, é de grande ajuda para a composição da relação dos personagens entre si, de uma vasta importância para o significado esotérico e metafísico do filme. Não há como dizer se Sieranevada é um filme cômico ou dramático – tudo depende do ponto de vista de cada espectador – mas são muitos os momentos cômicos, livres, que deixam a sessão mais gostosa, e por isso Sieranevada pode ser visto como um convite ao humor, à simpatia, mas também à crítica, à sátira social, à gravidade dos conflitos socio-políticos, muitas vezes referenciadas de maneira explícita ou não ao longo de suas três horas. Trata-se de uma pequena odisseia do comportamento humano, das relações familiares e da socialização entre as pessoas.
O olhar sagazmente clínico de Cristi Puiu sobre os acontecimentos de seu filme e de sua história definem a textura crítica de uma obra verdadeira, simples porém enorme, de muitas maneiras, seja na duração, seja no viés monumental do elenco, seja na criação de diálogos riquíssimos, ou da elaboração de uma atmosfera que engloba humor e drama com um requinte absurdamente honesto. De qualquer forma, há uma certeza: Sieranevada é maravilhoso. E merece ser visto.
Sieranevada
dir. Cristi Puiu
★★★★★
★★★★★
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