segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Titane

Talvez o que eu achei mais genial em Titane seja o mais óbvio. O potencial incisivo desse filme reside no fato de que ele é, antes de mais nada, muito simples na sua premissa. Eu não vejo com maus olhos a tentativa da diretora de mexer com as expectativas do público com uma narrativa que está em constante mutação, e que demanda do espectador um pouco de prudência em rever seus próprios conceitos.

O que chama atenção é que há, certamente, um tom dominante ao longo do filme de recusa em se desculpar, o que parece refletir até mesmo a própria rebeldia da personagem principal, que comete vários atos e segue para o próximo de forma quase inabalável. É como se essa "rebeldia contínua" contaminasse até mesmo a própria condução do filme, é o seu fio condutor.

Para todas as discussões que Titane levantou, eu acho que ele surge num momento em que há uma grande ressignificação acontecendo do cinema como retrato. É interessante porque, na mesma medida em que a diretora tenta dar conta de um mar de convergências, e ela o faz com certo sucesso, fica muita coisa em aberto. O que é bom, porque o filme fica na nossa cabeça depois da sessão, e talvez por isso é que seja necessário voltar a Raw, tão perigosamente carnal e incontido quanto Titane, e que guarda tantas semelhanças com ele. Eu diria que Julia Ducournau é sim um nome pra ficar de olho.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

UM CASAMENTO À INDIANA (2001)

Sucesso indiano de 2001, vencedor do Leão de Ouro, narra os acontecimentos dentro de uma "família moderna" de Nova Deli na ocasião de um casamento. Tem tudo o que se permite a uma típica comédia romântica, e é interessante no geral por conta do elenco, que está ótimo, ao mesmo tempo em que faz uma série de comentários sobre as diferenças culturais entre americanos e indianos e parece estar bastante consciente desse dimorfismo cultural existente em praticamente todo lugar do mundo com a influência da globalização, mas, também possui seu interesse próprio de contar a história e acentuar a essência própria da Índia, da cultura indiana. Pra mim o filme deixou a desejar em alguns aspectos, muito embora a narrativa seja bastante enxuta, mas é inegável que ele funciona bem de certa maneira, e é um destaque na filmografia de sua diretora, Mira Nair. 

O CONGRESSO FUTURISTA (2013)

Do israelense Ari Folman, um filme um tanto antecipatório, que estava bastante adiantado ao refletir preocupações dentro da indústria do cinema americano, em especial a respeito da representação da mulher, e que se ampliaram com o #MeToo, e também sobre outros adendos como os serviços de streaming, o CGI. No geral, aqui se fala sobre um mundo em transformação, em mudança, e o que isso significa para quem já estava aqui antes. O filme tece uma série de comentários a partir da narrativa emblemática do envelhecimento de uma atriz e, como pano de fundo, a mutação pela qual passa a indústria do cinema, e o planeta em uma escala maior, com as mudanças climáticas, em paralelo. Seu tom distópico, carregado de pessimismo e um certo desconforto que fica evidente pela personagem da Robin Wright, criam uma atmosfera de melancolia e frieza, e reforça os comentários que o diretor parece querer fazer de que a indústria do cinema e o mundo caminham rumo ao cataclismo.

HANYO, A EMPREGADA (1960)


Clássico do cinema sul-coreano, de Kim Ki-young, narra a chegada de uma empregada um tanto idiossincrática na casa da família de um professor de música, onde moram ele, sua mulher, que está grávida, e dois filhos. A presença da mulher na casa dá lugar a uma série de acontecimentos imprevisíveis e drásticos. Sozinho o filme já é um marco, mas é interessante salientar que ele serviu de inspiração para o recente estrondo Parasita, e é no mínimo curioso como os dois guardam uma série de paralelos bons de serem estudados, visto que tratam, centralmente, das diferenças de classe social e posição afetando as estruturas das relações hierárquicas de poder e dominação presentes na sociedade. Tanto pelo comentário ácido quanto pelo fenomenal trabalho na construção de uma atmosfera um tanto difícil de ser concebida, Hanyo é um filme necessário pra caramba, bombástico, e o mesmo pode ser dito do seu parente nem tão distante Parasita, que bebeu bastante de sua fonte e, enfim, faturou o Oscar de filme em 2020, sessenta anos após a sua realização. E parece que agora o filme pode receber o reconhecimento internacional merecido. 

O AMANTE DA RAINHA (2012)

Envolvente e explosivo drama histórico que narra o relacionamento proibido entre a rainha da Dinamarca e o médico real, Struensee, na Dinamarca do século 18, e as consequências trágicas do envolvimento entre os dois. O filme oferece detalhes importantes que ajudam a gente a entender o que estava acontecendo no país à época, com ideais iluministas e progressistas começando a serem introduzidos no sistema legal e provendo mudanças significativas na vida da população, tudo em decorrência da chegada de Struensee, que se tornara o aliado principal do rei e começara a ser visto como um agitador, ao defender "loucuras" como a introdução de vacinas e a abolição da servidão. O filme ganha pontos por se distanciar de possíveis julgamentos a respeito da relação íntima entre a rainha e Struensee, que é caracterizada com bastante sobriedade, e ao mesmo tempo mostrando a complexidade da situação, com o rei mentalmente instável sendo questionado a respeito de sua autoridade e a suposta permissividade do médico real, e as implicações políticas tanto dos posicionamentos dele e o escândalo estabelecido pela descoberta da traição da rainha e Struensee, que acaba gerando uma série de acontecimentos cataclísmicos no filme, tanto no âmbito pessoal para ambos quanto político, mostrando como o escândalo e a crise que se instaura no reino acabam arrastando a Dinamarca para um regresso. É dirigido por Nikolaj Arcel e tem os titãs Mads Mikkelsen e Alicia Vikander em duas das mais ricas atuações dos dois. Vikander merecia o Oscar mais por esse papel do que pelo que a deu o prêmio em 2016. Destaque para o ator que interpreta o rei, Mikkel Folsgaard, ganhador de prêmio em Berlim pela atuação. Foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2013, mas perdeu para Amor. 

terça-feira, 4 de julho de 2023

OS JOGADORES DE XADREZ (1977)

Belo filme do indiano Satyajit Ray. Assisti em Janeiro através do Mubi e não sei se o filme está tão amplamente disponível, já que o retiraram da plataforma, mas é um achado e um ótimo convite a conhecer melhor a obra de um dos mais importantes e reverenciados cineastas que a Índia deu ao mundo. Este aqui é uma espécie de fábula, narrada no século 19, que ilustra a amizade entre dois homens que vivem na corte e a colonização britânica na Índia como pano de fundo para os acontecimentos relatados. O filme faz tanto um comentário histórico ácido quanto uma alegoria da amizade e do amor como metáfora para a presença dos ingleses e o impacto histórico da colonização no país asiático.

ELVIS & NIXON (2016)

Gostei mais do que a maior parte das críticas indicaram sobre o filme. Até que Michael Shannon como Elvis Presley é uma coisa interessante de se assistir. E o Spacey como Nixon não está tão mal. Acho que é um filme que peca sim no andamento, mas, apesar disso, caminha com uma premissa bem-resolvida, enxuta e satisfeita com sua dinâmica simples e segura, mas que ainda sim produz umas cenas legais de se ver. Pra um filme que foi tão detratado, não é lá tão ruim não...