
O caso de Desobediência é especial. O filme é o primeiro falado em inglês do chileno Sebastián Lelio, recém ganhador de um Oscar pelo drama Uma Mulher Fantástica, que traz consigo a história de uma mulher trans lidando com o falecimento do namorado, deflagrada numa situação de luto e luta, literalmente, em que ela batalha para ter o direito de simplesmente sofrer pela perda, e o amor que ela sente pelo homem, apesar do preconceito e da opressão de sua ex-mulher e da família que ele tinha. O filme, que é uma preciosidade, foi aplaudido a ponto de trazer o primeiro Oscar para uma produção chilena, no reconhecimento que foi um dos mais necessários da premiação desse ano. Lelio já havia assumido a direção de Desobediência, lançado ano passado em Toronto, e que porém só obteve distribuição nos EUA em 2018, um belo drama sobre duas mulheres e um amor lentamente rompendo a barreira do segredo.
Novamente operando no cenário das temáticas sexualidade e opressão, o novo filme de Lelio explora as tensões e as agonias do amor entre duas mulheres que pertencem à mesma comunidade judaica, mas que são impedidas de se amarem devido aos limites impostos pelo tradicionalismo daquela sociedade diminuta. A fotógrafa que foi "ser livre" em NY, e a professora que decidiu preservar sua vida no círculo em que foi criada, se reencontram quando a primeira perde o pai — o respeitado rabino da comunidade — no episódio que é o ponto de partida para o re-confinamento de uma e a reafirmação da outra.
O registro desse reencontro é contornado pela simplicidade de um amor que vive de silêncios e de intimidades interrompidas, expresso em gestos comedidos e contidos — exceto quando as duas personagens encontram-se sozinhas, livres para abraçarem o amor e o calor de seus sentimentos longe dos olhos dos outros — e o espectador é capaz de sentir a afirmação sorrateira, silenciosa e calorosa do romance de Ronit e Esti através desses gestos, ora de controle, ora de descontrole.
O amor é exalado em volumes distintos — os olhares secretos de um lado, e os amassos intensos e fortes de outro. Esti, que é casada com Dovid, encontra-se dividida entre uma experiência de liberdade sexual, e as restrições impostas pelos padrões. Ronit, que se manteve afastada por tanto tempo daquele reduto religioso, encara uma vida diferente da que levava com repreensão, mas logo enxerga que dentro de si feridas não cicatrizadas caminham a um expurgo, quando ela se depara com a complicada relação com o pai e a religião.
Não deixa de ser um drama competente que sabe se completar quando explora ambas as experiências de amor de personagens que, de alguma forma, parecem estar tanto à mercê da convivência com os outros quanto das imposições de uma sociedade, algo que parece estar bastante presente no cinema de Lelio, pela composição de retratos agônicos do deslocamento de identidade sexual, não apenas do ponto de vista humano, mas também como um gesto de força política e social.
A admirável consistência é um mérito compartilhado por ambas as performances da dupla de atrizes que carrega o filme com sensibilidade ímpar: Rachel McAdams e Rachel Weisz, acompanhadas pela atuação coadjuvante de um inspirado Alessandro Nivola, três atuações que, se melhor reconhecidas, poderiam levar o elenco para prêmios importantes nessa temporada que está chegando.
O retrato de amores homossexuais tensionados pela opressão talvez não seja exatamente recorrente, mas conseguiu ser abordado com primor em trabalhos do naipe de O Segredo de Brokeback Mountain, Carol, Moonlight, etc., no cinema contemporâneo. Desobediência flerta com muitos deles, e embora não seja exatamente comparável, podemos dizer que a lembrança do filme é das mais positivas, fazendo jus à associação.
Não deixa de ser um drama competente que sabe se completar quando explora ambas as experiências de amor de personagens que, de alguma forma, parecem estar tanto à mercê da convivência com os outros quanto das imposições de uma sociedade, algo que parece estar bastante presente no cinema de Lelio, pela composição de retratos agônicos do deslocamento de identidade sexual, não apenas do ponto de vista humano, mas também como um gesto de força política e social.
A admirável consistência é um mérito compartilhado por ambas as performances da dupla de atrizes que carrega o filme com sensibilidade ímpar: Rachel McAdams e Rachel Weisz, acompanhadas pela atuação coadjuvante de um inspirado Alessandro Nivola, três atuações que, se melhor reconhecidas, poderiam levar o elenco para prêmios importantes nessa temporada que está chegando.
O retrato de amores homossexuais tensionados pela opressão talvez não seja exatamente recorrente, mas conseguiu ser abordado com primor em trabalhos do naipe de O Segredo de Brokeback Mountain, Carol, Moonlight, etc., no cinema contemporâneo. Desobediência flerta com muitos deles, e embora não seja exatamente comparável, podemos dizer que a lembrança do filme é das mais positivas, fazendo jus à associação.
A fotografia, que pode ser claustrofóbica ou libertadora nas cenas de amor, ou nos sutis enquadramentos das personagens principais que por si só já são capazes de dar conta da expressão que um toque ou um olhar podem emanar, captura a tensão de viver um amor às escondidas, silenciado pelos cerceamentos alheios e reavivado por desejos e sentimentos mais fortes que seus limites. Assim, Desobediência vai se afirmando como um conto romântico e dramático sobre, simplesmente, amor, liberdade, fé, sexualidade e a dificuldade (ou a luta) de respeitar os quatro dentro do mesmo espaço, sem segregá-los.
Desobediência
Desobedience
dir. Sebastián Lelio
★★★★
Desobediência
Desobedience
dir. Sebastián Lelio
★★★★
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