domingo, 29 de outubro de 2017

O ORNITÓLOGO (2016)


Talvez seja um filme mais curioso do que propriamente explicativo. Cria mais perguntas do que respostas, e isso não é necessariamente um problema para o espectador, como se cada enigma devesse ser respondido ali na hora. O Ornitólogo surge como um dos filmes mais fascinantes do cinema português recente, é destaque também seu diretor, João Pedro Rodrigues, ao "traduzir" para os tempos atuais a história de Santo Antônio, com o ator Paul Hamy interpretando um cara que está numa floresta estudando pássaros e acaba atravessando várias desventuras no caminho, se encontrando com duas mulheres orientais "sinistras" que o aprisionam, e também um estranho ritual que acontece ali naquele lugar. Não é exatamente um filme bizarro de se assistir, mas sim curioso, de uma curiosidade bastante energética, como se isso fosse o motor da trama, criar um certo interesse do público naquelas situações tão desnorteantes.

Se o cinema pode ser um veículo para essa "atração" entre o que é mostrado e a quem está sendo mostrado, toda essa intervenção, toda a relação que existe nesse meio, é uma proporção muito conveniente de estabelecer fixações, de criar relações entre filme e público, e nesse quesito João Pedro Rodrigues cria uma obra quase que fundamental nessa síntese, na complexidade desse relacionamento e do que pode surgir dele.

Pasolini está presente aqui, acho que não é segredo pra quem conhece o trabalho do diretor, e isso só torna a reforçar essa ideia de que a imagem contém uma sensualidade escondida, basta o próprio espectador adentrar o filme e redescobrir isso. O Ornitólogo, aliás, pode até não ter uma trama. Personagens que se encontram, situações esquisitas, figuras ainda mais esquisitas, é como se isso fosse o alimento da trama, o personagem principal caindo nessas armadilhas do destino. 

A belíssima fotografia em scope não exatamente agrada por uma certa beleza, mas pelos ângulos inventivos, inusitados, pela captura das cenas, pelos enquadramentos ainda mais contundentes e alucinantes. Há, é claro, pitadas de comédia no meio de um suspense tão agridoce e ao mesmo tempo, desconhecido. Paul Hamy está fabuloso. A temática homossexual também entra aqui de uma maneira muito mais inesperada, para a surpresa e o deliciamento do espectador, com toques de sensualidade extremamente sólidos. A cena final, ao som de António Variações, é provavelmente a melhor sequência de encerramento do ano de 2016. 

tu estás livre e eu estou livre
e há uma noite para passar
porque não vamos unidos
porque não vamos ficar
na aventura dos sentidos

tu estás só e eu mais só estou
tu que tens o meu olhar
tens a minha mão aberta
à espera de se fechar
nessa tua mão deserta

vem que amor
não é o tempo
nem é o tempo
que o faz
vem que amor
é o momento
em que eu me dou
em que te dás

tu que buscas companhia
e eu que busco quem quiser
ser o fim desta energia
ser um corpo de prazer
ser o fim de mais um dia

tu continuas à espera
do melhor que já não vem
e a esperança foi encontrada
antes de ti por alguém
e eu sou melhor que nada

O Ornitólogo
dir. João Pedro Rodrigues
★★★★

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