sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Crítica: "ROSETTA" (1999) - ★★★★★


Bastou eu ter visto ano retrasado Dois Dias, Uma Noite para virar um admirador do cinema dos irmãos Dardenne, ainda que desconhecesse grande parte da filmografia da dupla. Jean-Pierre e Luc começaram como documentaristas, na década de 80 (explica-se o porquê do cinema deles ser tão documental). O primeiro longa-metragem de ficção deles foi lançado no finzinho da década de 80, Falsch. Dirigiram em 92 Je pense à vous e em 95 La Promesse.

O sucesso e reconhecimento internacional da dupla veio com o quarto filme, Rosetta, premiado em Cannes em 1999 com a Palma de Ouro e o prêmio de Melhor Atriz, entregue a Émilie Dequenne, a personagem-título, uma adolescente de comportamento instável que luta para conseguir um emprego fixo e uma vida melhor. 

Intenso, angustiante e excepcionalmente bem-feito, Rosetta representa o melhor do cinema dos irmãos Dardenne e a competência da dupla em entregar material cinematográfico de qualidade dotados de uma força avassaladora. Rosetta é um retrato comovente de uma jovem mulher perseguindo suas ambições, buscando conquistar seus objetivos custe o que custar, tentando mudar de vida, renegando a realidade cruel, sem medo de enfrentar as dificuldades e abraçar os desafios, um exemplo feroz e atordoante de coragem e resistência.

A performance de Émilie Dequenne é inigualável, poderosa, dura, histérica e triste. Os dramas e as crises atravessadas pela personagem Rosetta nos fazem lamentar e ponderar a situação miserável em que ela se encontra e os problemas que a cercam. Desesperada por um trabalho que lhe dê sustento, a jovem Rosetta batalha com todas as suas forças e faz de um emprego fixo sua meta de vida, sua grande realização.

A primeira cena do filme entrega uma dimensão da força de vontade e a ânsia profissional da moça. Rosetta, inquieta, caminha ofegante por um espaço que parece ser uma fábrica ou algo do gênero. Um homem começa a segui-la. Ela apressa o passo, e logo começa a correr, em constante desespero. "Todos dizem que eu trabalho bem", brada a jovem, com uma gana quase obsessiva pelo trabalho que exerce, insistindo violentamente e uma teimosia incessante.

A partir dessa sequência de tirar o fôlego, o filme nos põe nos sapatos de Rosetta. Passamos a acompanhá-la dia e noite, na sua batalha diária e a procura incansável por um trabalho, mesmo que seja como ajudante num quiosque de waffles, bem como assistimos a seu sofrimento, seu desgaste emocional e os maus bocados que ela passa cuidando da mãe, que se prostitui para comprar bebidas e que tem uma relação turbulenta com Rosetta.

Dos filmes dos Dardenne, Rosetta talvez seja o que mais se aproxima de um documentário. Eles nunca fizeram um filme tão realista, tão potente, tão importante como Rosetta. Ele se destaca dentre os outros. É o que menos aparenta ser fictício. E não que os outros sejam. Muito pelo contrário. Os filmes da dupla facilmente podem ser confundidos com documentários, sem exceções. Mas Rosetta se sobressai. É dotado de um poder tão tocante, tão contundente, que é impossível não ficar chocado, não se solidarizar com a jornada de Rosetta.

Mais uma vez, os irmãos Dardenne capricham na elaboração simplista e marcante de uma estética neo-realista profunda e solene num filme que explora as irregularidades no sistema trabalhista e que denuncia os problemas sociais e econômicos da Bélgica atual e do continente europeu. A edição do filme é brilhante (Marie-Hélène Dozo, a colaboradora em edição dos Dardenne, torna de ver Rosetta uma oportunidade incrível de acompanhar a uma sequência delirante e minimalista de cenas, reforçando o conceito neo-realista e documental do cinema da dupla). Alain Marcoen leva os créditos da fotografia (tremendamente exuberante), a 2ª colaboração dele com os irmãos.

Enfim, Rosetta é uma experiência inesquecível, uma obra cinematográfica implacável e excepcionalmente vigorosa, pungente, textualmente perspicaz. Os Dardenne são visionários, únicos, magníficos. E Rosetta é um marco. Ou melhor, um exemplar nato de um cinema poderosíssimo, estilicidiosamente provocante. Uma obra sensacional quão digna.

Rosetta
dir. Jean-Pierre & Luc Dardenne - 

3 comentários:

  1. Além do ótimo "Dois Dias, Uma Noite", os irmãos Dardenne tem outros bons filmes como "O Silêncio de Lorna".

    Este "Rosetta" eu ainda não assisti.

    Abraço

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    1. "Dois Dias, Uma Noite" foi o primeiro filme dos Dardenne que vi. Adorei. Deles, recomendo demais este "Rosetta" e "O Garoto da Bicicleta". Ainda não vi "O Silêncio de Lorna" nem "A Criança", mas só ouvi coisas boas sobre eles.

      Grande abraço, Hugo!

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  2. Rosetta me chamou a atenção para o cinema dos irmãos Dardanne. Vale a pena ir atrás da filmografia deles.

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