O filme mais comentado da temporada tem mil e um motivos para sê-lo. A magia do velho universo hollywoodiano reencarnada em um musical delicioso e nostálgico repleto de referências marcantes e coreografias desconcertantes. Damien Chazelle, o diretor-revelação de “Whiplash”, retorna às telas com mais um trabalho muito bem executado, em todos os sentidos.
Trata-se de “La La Land”, a doce ode ao cinema clássico que revisita musicais que marcaram época e fórmulas irretocáveis de um gênero que, outrora tão popular e inovador, raramente traz algo de interessante nos tempos atuais, onde muitos exemplares comparam-se a reciclagens de clichês inflados e copiosos. Não é todo dia que a gente vê um filme que consegue reinventar e ao mesmo tempo se apoiar na nostalgia, e recriar um estilo – sem copiar. Chazelle prova que há homenagem, balanço e autenticidade em “La La Land”, mas também faz questão de incluir neste filme que a cada frame pinta nostalgia algo propriamente particular da filmografia do cineasta: o jazz, que já havia sido retratado em "Whiplash" e o longa de estreia de Chazelle, o pouco conhecido "Guy and Madeline on a Park Bench". E a conexão entre os elementos é intensa e viva, elaborando um contato bastante energético entre cada partícula deste musical.
O espetáculo de cores, danças, canções melancólicas e que cheiram a amor expõem a influência do lendário diretor francês Jacques Demy neste musical, e é possível denotar a cada sequência um certo frescor que remete à linha de Demy e seu cinema encantador e cheio de vida que deu à luz alguns dos maiores musicais de todos os tempos, vá lá: os suntuosos “Os Guarda-Chuvas do Amor” e “Duas Garotas Românticas”.
A atuação comovente de Emma Stone na pele de uma atriz aspirante que nunca consegue um papel é bastante lírica, e muitas das cenas protagonizadas por ela são pungentes e enfeitadas com graça. Risonha que só ela, Emma consegue compor uma personagem crível e imensurável, que esconde por trás da simpatia a angústia dos fracassos (algo que durante a segunda metade do filme fica mais visível, quando a resolução dramática se aproxima), e ela encontra no cinema uma razão para continuar perseguindo seus sonhos e a seguir vivendo, como muitos de nós do outro lado da tela. Assim como essa sonhadora, a gente se identifica com o cinema, com personagens que sonham e que nunca desistem, mesmo quando não é fácil.
O par romântico de Emma, Ryan Gosling (na melhor performance de sua carreira desde “A Garota Ideal”) interpreta um pianista que tem o sonho de abrir um clube, mas que não consegue concretizar suas ideias. Ao entrar em uma banda, ele faz sucesso, mesmo que não seja o que ele queira da vida, e isso desaponta um pouco a namorada, e involumentariamente gera-se uma certa distância. [alerta de spoiler] O final é essencialmente triste. O contraste entre os sonhos realizados e a realidade em si de um sonho de amor acabado encontra uma contraposição melancólica e emocionante nos minutos finais de “La La Land”, quando vemos dois personagens que tanto lutaram para agarrar seus sonhos, e deixaram um amor ir embora, ainda que este ressurja amargamente na troca de olhares triunfal entre Mia e Sebastian, o casal dos sonhos, na eterna cidade dos sonhos.
Muita gente reclama de que o filme traz uma perspectiva mais limpa e decente da cidade de Los Angeles, lugar em que todos os sonhos são depositados e que tudo parece ser tão mágico e perfeito, o lar do cinema americano. Provavelmente, mas não necessariamente, há um retrato desonesto, digamos, de L.A., mas um retrato musicalizado de uma cidade imaginada como o “paraíso cinematográfico”. É a forma como os personagens desta trama a veem. Talvez seja um pouco inconvencional, mas faz referência à imaginação dos musicais passados, e essa ligação é totalmente crível e favorável ao que o filme defende, e sua relação com as referências que expõe torna essa abordagem bastante sólida além das intenções da história em falar desse amor em particular e como ele é afetado pelos sonhos, seja de forma positiva ou negativa.
“La La Land” é sobre cinema, sonho, amor e música – e a relação entre os quatro – e também mais intimamente sobre a força do cinema e da arte sobre o ser humano, e como nosso imaginário busca nos filmes, nas músicas e nos amores (porque amor também é uma arte) a ambição, os sonhos, a vida. Cada cena é recheada de paixão e ritmo. Chazelle restaura o charme dos musicais clássicos e o enquadra em seu filme tão atual, mas também tão nostálgico, tão ligado ao passado de tantas maneiras, seja na história da jovem mocinha sonhadora que quer aparecer nos filmes, retratada em diversos filmes de várias formas desde o cinema mudo, até a mise-en-scene calculada e vibrante de Damien Chazelle, que se preocupa em mesclar o moderno ao antiquado da maneira mais eclética possível – e ele, à seu modo, o faz –.
Delicioso é ver um filme e poder sonhar – seja com o amor do casal protagonista ou com a concretização dos nossos desejos – e encontrar uma pérola com corpo de 2016 e alma da década de 50. “La La Land” é primoroso, cheio de glamour, rico em suas propostas, bonito na fotografia inspirada de Linus Sandgren, divertido nas letras e músicas de Justin Hurwitz e maravilhoso como um todo. Simplesmente maravilhoso!
La La Land – Cantando Estações (La La Land)
dir. Damien Chazelle
★★★★
★★★★
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