segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

MANCHESTER À BEIRA-MAR (2016)


É uma pena que Kenneth Lonergan faça filmes de tempos em tempos, pois eles são tão excelentes. E a prova disso pode ser encontrada em sua filmografia, curta, porém sucessiva, completada por este seu novo trabalho, um exemplar estonteante de controle narrativo e dramático, uma verdadeira obra deste diretor/roteirista tão celebrado. Anteriormente, ele dirigiu o belíssimo Margaret, um drama intenso e marcante, e também Conte Comigo, sua estreia na direção. Estes três títulos conversam entre si por abordar de maneira pungente e honesta o impacto de conflitos e tragédias na vida das pessoas, e é essa abordagem que torna esses trabalhos tão universais. 

A premissa de Lonergan foca em pessoas comuns, gente como a gente, e adentra suas particularidades enquanto também explora o que está acontecendo ao redor dessas pessoas e como se instala uma conexão desproporcional entre a gente e o que nos cerca com uma dimensão devastadora, realçada por um roteiro genial sempre acompanhado da mise-en-scene riquíssima, nunca exagerada, no ponto certo.

Em Manchester à Beira-Mar, Casey Affleck (na melhor performance de sua carreira) vive um zelador de Quincy que, certo dia, recebe a notícia de que seu irmão faleceu. Ele se desloca até a cidade de Manchester, onde residia, para encontrar a família e acertar os pormenores do que vem a seguir. A surpresa do personagem é quando lhe é informado que o irmão desejava que ele cuidasse de seu filho adolescente após sua morte, uma vez que ele já sofria de um mal cardíaco e tinha pouco tempo de vida. Indisposto a executar tal tarefa, o homem duvida calado enquanto segue cuidando do sobrinho, e ao mesmo tempo é atormentado por um passado enegrecido e turvo que surge à tona. 

Lonergan costura personagens humanos, afetivos, o que os faz mais palatáveis frente ao espectador, e ao mesmo tempo lhes provém uma certa complexidade, distinta, que pertence a seu formato em compreensão e construção. O comportamento auto-destrutivo de um homem que não consegue lidar com as perdas e as circunstâncias de um destino fatídico, um jovem no auge da adolescência provocado por seus instintos e atormentado por um evento recente e suas consequências emocionais. Um passado e um futuro. Uma história que aconteceu. E o que poderia ter acontecido. 

O foco é Lee, o personagem de Casey Affleck, um homem cercado de tragédias pessoais e que não consegue se conciliar devido aos traumas e ao sentimento de culpa por um capítulo impossível de deixar pra trás. Através desses sentimentos, evoca-se um clima de aproximação e ao mesmo tempo distanciamento, enquanto os personagens interagem entre si, uns tentando superar e outros tentando esquecer. 

O elenco está excepcional. Lucas Hedges, uma revelação impecável, e Michelle Williams, que há tempos não entregava uma performance tão inspirada e arrasadora, estão fascinantes. Affleck comanda esse elenco com maestria e uma firmeza irrevogável. Ele exerce seu personagen com punhos de ferro, e o encontra dentro de si mesmo, tornando-o um reflexo de suas próprias evocações e imitações, mas com um toque de compreensão e afeto por este, tornando a interpretação verdadeira e impactante. É o personagem compactuando um contraste com as intenções e capacidades do ator, que encarna-o com vida e dedicação. 

A trilha sonora radiante sela momentos emocionantes desta trama dramática sobre amor (e a falta de amor), família, despedida e a humanidade dos nossos sentimentos. Aliás, o filme é um dos favoritos ao Oscar. E é merecedor de prêmios, especialmente o elenco fabuloso e Kenneth Lonergan, o cara genial por trás dessa história belíssima e triste.

Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea)
dir. Kenneth Lonergan
★★★★★

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