Quando Charlotte Rampling está em cena, algo magnífico acontece. Ela toma o controle da tela e seu público é manipulado de maneira triunfal e abismadora. Em “Sob a Areia”, a atriz nos entrega uma de suas performances mais minimalistas e bem-feitas, daquelas de dar gosto mesmo, o que principalmente torna tão especial este suspense do cineasta francês François Ozon, que três anos depois viria a dirigir a lendária intérprete inglesa novamente em outro thriller arrasador, o brilhante “Swimming Pool – À Beira da Piscina”, que guarda muitas semelhanças com este trabalho aqui, não apenas pela construção detalhada, mas pela abordagem simbólica e a forte influência hitchcockiana, que paira sobre estes dois filmes tão desconcertantes, misteriosos e BONS!
O sumiço do marido de uma mulher de meia-idade é o estopim da trama de “Sob a Areia”, que persegue a personagem de Rampling e suas angústias enquanto traça um mistério que a cada cena fica mais indecifrável. Cenas do cotidiano se misturam a sequências que carregam um gostinho surreal, que estão ali para emular um suspense sinistro. Durante a primeira metade, a câmera vagueia entre planos abertos e curiosamente amplos para, aos poucos, se limitar à takes mais intimistas e fechados enquanto acompanhamos a trajetória de Marie Drillon após o desaparecimento de seu companheiro e sua negação à realidade que a confronta. Irresoluta, ela resiste aos impulsos desta para viver a situação à seu próprio modo. O fim de um casamento e as consequências de uma ilusão que nunca aconteceu, um matrimônio consumido pela mesmice.
Claramente, a intenção do diretor (também roteirista) François Ozon é fazer com que o espectador compreenda essa personagem tão complexa e as suas atitudes, bem como o que a leva a criar uma perspectiva tão distante frente aos eventos que abarcam em sua vida amorosa e sua relação com pessoas próximas. O desaparecimento pode ser interpretado como uma metáfora da descrença de um casamento feliz, o momento em que a personagem se dá conta da farsa impassível que se submeteu, e sua imagem da relação perfeita se desfaz, num completo e súbito “desaparecimento” do amor improvável e todas as suas condições.
Como bom realizador que é, Ozon não desaponta na direção e não deixa nenhum detalhe escapar. A complexidade que envolve este filme torna eficaz a mise-en-scene e enriquece os méritos fílmicos do cineasta por trás desse projeto. Por outro lado, é possível denotar que “Sob a Areia” depende bastante de sua narrativa. Mais interessante é perceber como a mise-en-scene realça os traços narrativos do filme e seu semblante metafórico.
Deixando as comparações de lado, Ozon sabe trabalhar muito bem elementos determinantes em um thriller, como a tensão e o clímax. Por trás dessa façanha, revela-se um dom do diretor para com o gênero suspense que poucos dominam. Charlotte Rampling esculpe uma atuação magistral, provavelmente uma das melhores dela, que atua como ninguém, e sabe dominar seus papéis (algo que é extremamente importante para a sua personagem neste suspense). Certamente está no time das gigantes.
Sob a Areia (Sous le sable)
dir. François Ozon
★★★★
★★★★
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