sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

UM LIMITE ENTRE NÓS (2016)


Para quem não está acostumado com o lado diretor de Denzel Washington, pode ser até surpreendente encontrar o nome do ator no crédito de direção, mas não é a primeira vez que ele se aventura como cineasta. Um Limite Entre Nós é o terceiro filme que Denzel dirige. Os anteriores foram O Grande Debate (indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático em 2008) e Voltando a Viver, ambos sucesso de crítica. Como bom ator que é, Washington dirige atores com excelência. É justamente esse o mérito maior deste filme: o elenco. Adaptação de uma peça aclamadíssima do dramaturgo August Wilson, Um Limite Entre Nós é um filme predominantemente teatral – o texto da peça "Fences" foi praticamente transcrito de sua forma original para o roteiro do filme, é tanto que o próprio August Wilson é creditado como roteirista do drama – e, embora suas intenções sejam claramente positivas, o resultado pode ser um pouco frustrante.

É claro, o elenco está em perfeita sintonia, as performances são preciosíssimas: Denzel Washington, que não atuava tão bem há tempos, se alia a Viola Davis (numa atuação estarrecedora, certamente uma das mais impressionantes que ela já nos presentou) e a dupla unida se transforma no alicerce dramático da trama pulsante de Um Limite Entre Nós. Inclusive os dois já interpretaram a peça juntos anteriormente, e isso explica porque a química flui tão bem entre os dois. A trama gira em torno de Troy Maxson, que trabalha como lixeiro em Pittsburgh, casado com Rose (Davis) e os constantes conflitos com o filho adolescente, Cory Maxson (Jovan Adepo, excelente). Também são destaques os atores Stephen McKinley Henderson (Jim Bono), Russell Hornsby (filho mais velho de Troy) e Mykelti Williamson (irmão de Troy). Engraçado é que o filme se dispõe a focar tão decididamente nesta relação turbulenta entre pai e filho mas visto por completo o retrato se estende superficialmente, e suas motivações não ficam tão claras, visíveis. 

O papel metafórico do filme dentro do cenário coletivo e ao contexto histórico e social dos negros na sociedade americana contrasta às superficialidades de uma narrativa que se dedica a redesenhar personagens de uma maneira tematicamente impressiva, porém acaba deixando de lado o posicionamento da síntese entre esse desenvolvimento dramático e o que o filme está querendo dizer. O emular da construção teatral eclipsa as virtudes cinematográficas que a produção evoca.

Há um cuidado maior com as atuações (e esse tratamento é devidamente excepcional em sua montagem) e a forma com que a história é descrita, mas chega-se a um ponto em que Um Limite Entre Nós deixa de ser cinematográfico, tornando-se produto do teatral sem compromisso com as intenções cinemáticas. A observação por sobre os personagens em si é pungente, mas o foco da trama acaba se desviando e invadindo perspectivas pouco críveis, convincentes, gerando um distanciamento entre as excelentes atuações (que enriquecem o retrato dos personagens, consequentemente) e o andamento da narrativa. As interpretações sozinhas são grandiosas, mas quando sobrepostas à trama soam demasiadamente desconexas. 

Há uma pretensão por parte de Denzel Washington em querer adaptar uma peça com uma vértice tão teatral, que depende tanto dos palcos para funcionar em seu formato mais pleno e causar um certo impacto. A dependência dessa compreensão teatral paira sobre Um Limite Entre Nós, e a realização perde um pouco de sentido com essa extensão. Neste caso, a tentativa de aliar teatro e cinema é falha, mas as intenções – como já foi dito – apontam que Denzel não fez por mal. 

Às vezes, chega a aborrecer certas cenas arrastadas, com diálogos monótonos e cansativos que provavelmente caso encenados no teatro, imagino eu, ganhariam mais potência. Um Limite Entre Nós vale mesmo pelos desempenhos impecáveis de Denzel e Viola, ambos indicados ao Oscar nas categorias de melhor ator e atriz coadjuvante. Lembrando que o filme também recebeu indicações em filme e roteiro adaptado. A balança pesa para o lado de Viola Davis, lembrando que ela já levou o Globo de Ouro pra casa recentemente, e está cotadíssima para receber o Oscar. E, caso ela o faça, será digno. Não acho que o filme seja totalmente merecedor da indicação de melhor filme, mas por um lado, em tempos tão frágeis e conturbados, a temática e a abordagem do longa propiciam e adicionam sentido à essa inclusão. 

Lá no fundo, Um Limite Entre Nós guarda sua importância, no retrato de personagens convivendo em uma época difícil para os negros nos Estados Unidos, em meio ao racismo e a ignorância de uma sociedade fragmentada. A direção de Denzel é estupenda, e a inspiração refletida em cada ator deriva nesta disposição incrível de personagens que é Um Limite Entre Nós.

Um Limite Entre Nós (Fences)
dir. Denzel Washington
★★★

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