quinta-feira, 14 de abril de 2016

Crítica: "A COMÉDIA DO PODER" (2006) - ★★★★★


Acho que não é nenhuma novidade pra quem acompanha aqui o blog que eu sou um fã ávido da francesa Isabelle Huppert (e não me canso de repetir isso). Consegui a cópia do comentado A Comédia do Poder ano passado, quando comecei a procurar alguns filmes da atriz, bem no auge da minha fase de baixar filmes via torrent. Pra se ter uma noção, estou para ver A Professora de Piano, O Tempo do Lobo (os dois do Haneke), Minha Terra África, 8 Mulheres, Em Nome de Deus, e por aí vai. Sem falar que a cada ano é uma estreia nova. Aliás, ela tem dois novos filmes em cartaz aqui no Brasil, que são Mais Forte que Bombas e Fique Comigo. Enfim, talentosa e de uma filmografia (felizmente) extensa e lotada de filmes preciosos, Isabelle Huppert é uma deusa. Merece todo o carinho do mundo. E vê-la num filme absurdamente espetacular numa atuação de ouro é uma oportunidade incrível. É assim que acontece em A Comédia do Poder, de Claude Chabrol.

A Isabelle é a dona do filme. Sua personagem é uma renomada juíza, Jeanne Charmant-Killman, uma mulher que não mede esforços a fim de acabar com a corrupção, realizando diversas investigações, liderando vários mandatos e pondo na cadeia charlatões descarados. Qual é o apelido de Jeanne? "A piranha". Se por um lado sucesso é o que não falta para Killman, do outro sua vida pessoal é uma bagunça. A mulher não tem uma vida, praticamente. A gente só vê ela trabalhando, ela não faz outra coisa. Chega a soar como obsessão. E isso implica e muito no casamento dela com um médico que sempre anda deprimido, e que não mantém uma relação saudável com Jeanne. Eles mal quase se falam.

É A Comédia do Poder uma comédia propriamente dita? O que Chabrol quis dizer com esse título? A Comédia do Poder justamente se dispõe a seguir a linha de uma comédia moral, de uma forma impessoal e estupendamente irônica, propondo exibir os absurdos do universo do poder e da justiça nos dias atuais, fazendo deste retrato uma comédia irreal e sarcástica sobre a posição da figura feminina dentro do campo da justiça e todo o processo que engloba uma investigação criminal.

A indelicadeza da abordagem, o humor moderado, os diálogos marcantes e cenas ainda mais inesquecíveis. Isabelle Huppert em um de seus melhores desempenhos. A atriz se entrega de corpo e alma à uma juíza, "charmosa assassina de homens", determinada e maníaca-por-justiça cuja vida beira o sucesso e o vazio. O elenco todo, de parabéns, merece destaque, mas o brilho da Isabelle é transcendente.

Os méritos de A Comédia do Poder repousam justamente na construção de uma trama singular e que foge do lugar comum, a atenção ao elenco, a intervenção de elementos como os recursos de fotografia (do português Eduardo Serra) e a trilha sonora no design do filme em si como uma definitiva comédia, os truques de direção e de roteiro, inovações na fórmula, o desfecho, a complexidade da metáfora que envolve a escolha de um anti-gênero para uma nova montagem.

Outra coisa bacana em A Comédia do Poder é que o filme é propositalmente inconvencional (no bom sentido). Mesmo que muita gente não assuma, muitos ainda pensam da mesma forma quanto à política, à justiça, às relações de poder e à corrupção, sempre enquadrando esses quesitos num viés regado a seriedade. E o pior é que é desse jeito mesmo. Por mais que uma hora ou outra há alguns piadistas que brincam a respeito, são quatro coisas extremamente levadas a sério, ainda mais nos dias de hoje. O diretor brinca com esse nosso pensamento num jogo audacioso e cheio de peripécias, que tem por objetivo descontração e reflexão sobre essas temáticas e a influência delas nas nossas vidas.

O filme tem um andamento lento, calmo, minucioso, paciente aos detalhes e aos diálogos, bem como a disposição dos atores e os cenários. É raro vermos alguma sequência tensa. Eu acho que de tensa, profunda mesmo, só tem a sequência da briga entre a Jeanne e seu marido, e olha que a cena é bem rápida e sem exageros. Ela deixa a casa friamente, sequer pestaneja ou fica intimidada pelo ato do marido e simplesmente deixa o apartamento. Acompanhada pelos dois guarda-costas, quando perguntam para onde ela quer ir, ela responde: "Para o escritório. Para onde mais eu iria?". É aí que a gente reflete, trabalho é uma faca de dois gumes. Alguns adoram se gabar, e tem outros que só reclamam, mas a verdade é que trabalho não fede nem cheira.

À medida em que o filme evolui, fica a sensação de vazio, de nada. Acompanhar a jornada de Charmant-Killman vira uma tarefa vazia, pouco tumultuada, sem teto nem chão. Eu me pergunto se é possível viver assim, na paranoia e sem nenhum prazer, só trabalhando, trabalhando e trabalhando. Qual é, nem dormir a mulher dorme! E pensar que tem um pessoal que é assim mesmo, que não faz nada além de trabalhar. Eu, hein. Get a life, folks!

A Comédia do Poder acumula qualidades e nos faz refletir fundo a respeito de várias temáticas, bastante naturais à nossa geração e atuais, como a valorização da mulher na área profissional e o papel dela dentro da família reformulado, os abusos e efeitos colaterais do mundo do poder, esquemas da justiça, guerra dos sexos, casamento. Mas, dentre todas as coisas maravilhosas de A Comédia do Poder, vence uma: a querida e lindíssima Isabelle Huppert, em plena forma num trabalho vigoroso e excepcional quão memorável.

A Comédia do Poder (L'ivresse du pouvoir)
dir. Claude Chabrol - 

Nenhum comentário:

Postar um comentário