Abaixo, comento três curtas do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de O Som ao Redor.
Vinil Verde
★★★★★
Visto em 25/01 desse ano. Rapaz, nunca saberia que ficaria tão encantado com o lado curtametragista de Kleber Mendonça Filho, cujo longa de estreia (O Som ao Redor) é um baita de um filmaço! Fiquei mesmerizado com Vinil Verde, um dos curtas mais famosos de Kleber e muito possivelmente um dos melhores curtas que eu já vi. É a historinha de uma garota que ganha de presente da mãe um toca-discos. A mãe lhe diz que ela pode tocar quantos discos ela quiser, menos o disco verde. O filme foi realizado no formato fotomontagem, como La Jetée, e é uma maravilha estupenda. Fico imaginando o que o diretor quis passar com esse curtinha tão enigmático e tenebroso. Confesso que até eu fiquei assustado em certos momentos. De qualquer forma, é mesmo um "doce curta de horror para crianças", como o subtítulo sugere. Fiquei instantaneamente estonteado por essa pequena fábula fílmica, adaptação de um conto infantil russo conhecido como "Luvas Verdes". Bonito, estremecedor e encantador.
Eletrodoméstica
★★★★★
Esse eu conferi hoje. Trata-se de um curta engenhoso e tão enigmático quanto Vinil Verde, embora, se formos ver de perto, bastante simplista e sem exageros. Outra semelhança com Vinil Verde é a qualidade. Eletrodoméstica lembra bastante uma sequência de O Som ao Redor, dando a entender que o diretor praticamente retirou aquela cena, estrelada pela dona de casa entediada (Maeve Jinkins), deste curta. Como a personagem da Jinkins em O Som ao Redor, a protagonista de Eletrodoméstica é uma dona de casa que realiza tarefas da casa durante o dia e que cultiva certas "diversões" e rituais em seu cotidiano doméstico, bem como "masturbar-se na máquina de lavar" e "baforar no aspirador de pó". É um trabalho bastante curioso e interessante, uma observação inquietante e perceptiva sobre a solidão e a rotina. Embora a Maeve não estrele o curta, temos a atriz Magdale Alves, tão talentosa e memorável quanto, no papel da dona de casa. Aliás, quem interpreta a filha dela neste curta é a mesma atriz que fez a menininha de Vinil Verde, Gabriela Souza (taí outra semelhança com Vinil Verde). A direção de fotografia do curta é extraordinária (taí outra semelhança com Vinil Verde).
Recife Frio
★★★★★
O melhor dos curtas de Mendonça Filho que conferi foi, certamente, Recife Frio. Ah, como eu amei Recife Frio. Um curta futurista, Recife Frio pode bem ser considerado o La Jetée nacional. Embora esteja distante do clássico quanto ao formato, Recife Frio, que já em sua introdução nos lembra La Jetée, se baseia numa premissa bastante graciosa e estranha: Recife, num futuro próximo, ser abalada por um profundo transtorno climático, que deixa o litoral de Pernambuco sob um frio intenso e incessante, extinguindo o calor e alterando a vida da população. Mas, diferentemente do que poderia se esperar, Kleber brinca genialmente com os elementos da trama, dando a ela um gostinho mais cômico e inesperadamente delicioso. Quase o curta inteiro é como se fosse uma pequena reportagem televisiva, com um jornalista hispânico (?) debatendo e discutindo a onda de frio que abala o litoral do Nordeste e que transforma os hábitos da população pernambucana, inclusive dos cidadãos de Recife, como é analisado. A maior parte do tempo a trama é explorada com um olhar afiado e minucioso, de forma com a qual o diretor aborde diversas temáticas, como desigualdade (a sequência do apartamento dos ricaços, onde um adolescente expulsa a empregada do quartinho dela, é uma das minhas sequências prediletas), turismo, choque social... A sátira e a crítica estão presentes, mas também há a impressão de que tudo seja mesmo uma grande brincadeira, uma grande de uma descontração, com momentos de comicidade excêntrica e agradáveis simbolismos, que não passam de uma grande brincadeira do diretor, uma perspectiva cômica e sarcástica sobre os hábitos e os problemas da sociedade dos tempos atuais. Ainda sim, é um filme bastante especial e que merece atenção. Eu gostei pra caramba. É pura perfeição. O formato é genial, as sacadas do roteiro são brilhantes, a direção do Kleber é formidável. Recife Frio é primoroso. Eu adorei, sinceramente. Um trabalho fabulosamente bem-feito. Ah, e só pra constar, o curta foi dedicado a Chris Marker e Terry Gilliam, o que explica um pouco as referências a La Jetée e ao trabalho do Gilliam em geral (Monty Python, Brazil, 12 Macacos...) e o climão sci-fi debochado.
-- "Socialite revela: 'Agora os pobres estão mais 'chic' passando frio'".
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