O primeiro filme de Hong Sang-Soo que vi foi A Visitante Francesa, no ano passado. Na época, tinha escolhido o filme por causa da Isabelle Huppert. Estava fazendo um tour pela filmografia da atriz e fiquei bastante interessado com o título. Para a minha surpresa, o filme foi encantador. Instantaneamente, desenvolvi um enorme interesse por Sang-Soo, suas obsessões e seu cinema esquisitão que tanto me fascinara nessa tão especial primeira vez. Há alguns meses, assisti Certo Agora, Errado Antes, o mais novo e elogiado trabalho do coreano. Virei fã.
Dono de um estilo despretensioso e ao mesmo tempo profundo, Hong Sang-Soo (ou o inverso – nunca sei a ordem correta dos nomes dos cineastas orientais) foge dos clichês genéricos do cinema e reinventa a si mesmo e a seu estilo cinematográfico ao brincar sutilmente com a nossa compreensão com filmes que podem ser vistos tanto como novas experiências quanto como desafios à lógica e ao padrão. Não restam dúvidas de que ele é um diretor extremamente dotado em originalidade, um dom que poucos cineastas contemporâneos dominam, e raramente com tanta leveza e astúcia, o que o torna não somente uma exceção, mas também um diretor único dentre os demais.
Como já tinha acontecido antes em A Visitante Francesa, Sang-Soo trabalha com um filme de “subtramas multiplicadas”. A repetição é o elemento-chave desses dois filmes. Se em A Visitante Francesa tínhamos 3 histórias diferentes com a mesma atriz e personagem homônima, em Certo Agora, Errado Antes, temos duas histórias dividas com os mesmos personagens e desfechos distintos, embora compartilhem algumas semelhanças entre si.
Em ambas as histórias, temos um cineasta que se encontra com uma pintora numa pequena cidadezinha. As duas histórias são contadas de maneiras diferentes, fatos distorcidos, elementos parecidos e diálogos misturados, que sempre resultam em deleite e contentamento por parte do espectador. Sem exagerar ou transparecer óbvio demais, os dois segmentos seguem ritmos proporcionais, embora pintem certas mudanças na narrativa, e nos tons alternados – o que, ocasionalmente, pode confundir o público.
Ainda sim, o traço fílmico de Sang-Soo é constante, presente nas duas divisões, de formas um pouco descoincidentes, mas a tal diferença é tão pouca que chega a ser irreparável. O filme navega nas possibilidades, nos pequenos detalhes que influenciam nossas atitudes no dia-a-dia, e como mesmo aquela mínima mudança, quase invisível, pode fazer toda a diferença.
O segundo ato do filme é muito mais cômico e bem-humorado do que o primeiro, que, embora tenha uma percepção cômica aguçada, é mais irônico e sarcástico, e às vezes beira tons dramáticos não-assumidos, de forma com que seja bem mais gostoso assistir à segunda versão do que a primeira, embora as duas sejam igualmente ricas.
A dupla de protagonistas, os excelentes Jung Jae-young e Kim Min-hee, estão maravilhosos, impecáveis. A química do casal, essencialmente na cena do jantar e na cena da despedida, é virtuosa, inevitável, a ponto de provocar a simpatia. Sorrisos vão, sorrisos vem, o título de cena mais engraçada (e que talvez proporcione algumas gargalhadas) fica com a sequência do “strip” do personagem do diretor.
Certo Agora, Errado Antes é um filme bastante simples, embora eventualmente adquira uma certa complexidade, mas sempre com um olhar desprovido de pretensões, ainda que minimalista. O filme explora uma ótica totalmente inovadora adentro os relacionamentos confusos e os amores inexplicáveis e trôpegos. É uma comédia leve, que deve ser vista com despretensão, leveza – de maneira a corresponder à despretensão e suavidade com a qual o filme trata sua temática.
Não há como negar que há um quê de Woody Allen nesse Certo Agora, Errado Antes (até dá pra comparar com um filme do próprio Woody, Melinda e Melinda, que também apresentava duas versões diferentes de uma mesma história), tanto nos lances narrativos quanto no contar da história, com um romance atrapalhado e honesto como pivô da trama, e personagens delicadamente aflorados e espirituosos decorando a berlinda da história. Também foram feitas diversas comparações a Eric Rohmer, Abbas Kiarostami, e por aí vai. Mesmo assim, diante de tantas possíveis influências, resplandecem algumas das características mais particulares de Sang-Soo, que novamente confirmam a singularidade do coreano (o andamento lento, a repetição, as tomadas monótonas, planos regados a simplicidade e naturalidade, e etc.). E a cada filme que entrega, Hong Sang-Soo evidencia a força e a grandeza de seu cinema autoral, provando ser um dos mais importantes e notórios diretores do cinema contemporâneo.
Certo Agora, Errado Antes (Jigeumeun-matgo-geuttaeneun-tteullida)
dir. Hong Sang-soo - ★★★★★
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