sábado, 17 de setembro de 2016

Crítica: "MÃE SÓ HÁ UMA" (2016) - ★★★★


Achei que gostaria mais de Mãe só há uma. Talvez eu tenha exagerado ao pensar que veria algo do mesmo porte de Que Horas Ela Volta?, o sucesso de bilheteria e crítica de Anna Muylaert, um filme tão bom e marcante que acabou encabeçando a minha lista dos melhores filmes de 2015. E não que Mãe só há uma seja um filme menor ou ruim. Muito pelo contrário. É mais uma prova do talento e da competência de Anna Muylaert, certamente uma das figuras mais promissoras e influentes do cinema nacional contemporâneo. 

Mãe só há uma, assim como Que Horas Ela Volta?, trata de questões envolvendo a maternidade, como o próprio título talvez possa sugerir ou dar uma noção. É um filme um pouco mais provocador e intimista do que Que Horas Ela Volta? na abordagem de temáticas como sexualidade, preconceito sexual, família e conflitos da juventude.

Naomi Nero – cuja performance pode ser descrita como impecável – interpreta um jovem pansexual chamado Pierre que descobre que foi roubado na maternidade. A dita mãe do rapaz é presa e ele é separado de sua “irmã”, quem ele também descobre ser filha ilegítima da mulher. Nisso, ele vai morar com os pais verdadeiros, e não demora muito para que um clima de tensão e instabilidade entre eles se instale. A dificuldade em se adaptar à nova família e a respeitar os sentimentos dos pais verdadeiros e ao mesmo tempo a indignação pela prisão de quem pra ele é a sua verdadeira mãe sobrecarrega Pierre, que cada vez mais se sente confuso com toda essa situação. 

Ao mesmo tempo, a sensação que fica para o espectador é de que não tem pra onde correr. Os personagens não tem escapatória. Resta o conformismo? Ou a luta pela então “justiça” de ambos os lados? O filme foca nesse "combate" de perspectivas – a família verdadeira que buscou a justiça (recuperar o filho) por tantos anos e finalmente conseguiu, e a outra mãe injustamente presa (para Pierre, que ficou sob sua cautela e carinho materno, e é quem ele reconhece como mãe) – de maneira ao espectador não estar apto a desrespeitar ou punir esses pontos. Ninguém pode culpar Pierre por ter se aficionado à mãe ilegítima e nem à família real por ter cultivado a esperança de um dia reencontrá-lo, mas que não imaginava que esse reencontro traria tantos problemas. Aliás, a trama é inspirada no famoso “caso Pedrinho”, de um garoto que foi realmente sequestrado na maternidade, e que foi reencontrado pelos pais biológicos anos depois. 

A brincadeira envolvendo o título do filme e a representação das personagens maternas (Dani Nefussi interpreta as duas mães do filme, Aracy e Glória) expõe a ironia e a distinção de perspectivas dissecada ao longo de Mãe só há uma

Ao mesmo tempo em que é um debate em torno das temáticas abordadas, Mãe só há uma também pode ser considerado um filme que explora de perto seu personagem principal, neste caso Pierre/Felipe, e as indagações e aflorações da idade (neste contraponto, a revelação envolvendo sua suposta mãe vira uma representação da “juventude das descobertas”), a sexualidade, a revolta, os pensamentos, os sentimentos.

Ainda que Que Horas Ela Volta? tenha alguns momentos cômicos, o filme em si é predominantemente dramático. E se eram poucos os tais momentos de humor ou descontração, em Mãe só há uma são tão poucos, ou praticamente ausentes, que acaba sendo um drama. Mas não um dramalhão. Muylaert mais uma vez revela maturidade e compromisso ao assumir um trabalho dramático. Ainda não vi Durval Discos nem É Proibido Fumar, comédias anteriores da diretora, mas são trabalhos que foram bastante elogiados e parecem ser bastante interessantes de se ver. 

Há muita gente dizendo que com Mãe só há uma Muylaert tentou repetir e recaptar o sucesso de Que Horas Ela Volta?. Mas, na verdade, mesmo com a semelhança temática (a maternidade como foco) e genérica, ambos os filmes possuem muitas diferenças, algumas das quais já apontei em trechos acima. Que mania que esse pessoal tem de implicar com as repetições parciais, viu?

Até agora, Mãe só há uma está empatado com Boi Neon como o melhor filme nacional do ano. Lembrando que eu não vi outras estreias mais cogitadas e aclamadas, como Aquarius, A Frente Fria que a Chuva Traz ou Nise – O Coração da Loucura. Anna Muylaert é uma cineasta espetacular, e Mãe só há uma é mais um exemplar nato da força e da importância de seu cinema. De fato, o cinema nacional está numa excelente fase. 

Mãe só há uma
dir. Anna Muylaert - 

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