Eis um dos filmes mais bergmanianos de Woody Allen, e também um de seus menos conhecidos trabalhos. A Outra é um filme excelente, que só alguém do escalão do Woody poderia realizar. Uma grande pena que tenha sido tão subestimado, já que é uma peça essencialmente importante da filmografia dele, por muitos motivos.
Num raro exercício dramático ininterrupto, ausente de piadas ou humor (o que até torna o filme um pouco mais “distante” do estilo ao qual estamos acostumados de seus filmes), Woody traz Gena Rowlands no papel de uma mulher que fica obcecada com uma paciente grávida (interpretada belamente por Mia Farrow) de um terapeuta que faz consultas em um apartamento ao lado do dela.
A trama gira em torno da personagem de Gena, Marion, focando nas suas angústias, seus desejos, seus pensamentos e seu cotidiano – a construção e a exploração da personagem, sua personalidade e ideias intensificam e enriquecem a atmosfera bergmaniana do filme. A narrativa, em especial, traz à nossa memória alguns trabalhos que demonstram algumas particulares semelhanças do Bergman, como Morangos Silvestres, Persona e até mesmo Face a Face.
O mais curioso deste filme de Woody Allen é a paciência, a delicadeza com a qual se costura a história, a profundidade dos personagens, a lentidão avassaladora, a atenção aos pequenos detalhes. A Outra é, sobretudo, um minucioso e intrigante estudo de personagem, e ao mesmo tempo filosófico e preciso, lento e rigoroso.
Vale comparar com outros filmes geniais do Woody, como o anterior Setembro (filme com o qual compartilha diversas semelhanças, seja no retrato rígido e frio dos personagens com tendência depressiva, digamos, ou na linha narrativa, que em ambos os filmes apresenta um forte resquício teatral em abordagem), Interiores (outro exercício dramático potente), Crimes e Pecados (revisto recentemente) e Maridos e Esposas.
Gena, Mia, Gene Hackman, Ian Holm entre outros estão espetaculares, em performances dignas e estelares, um elenco de fato excepcional. Interessante notar como A Outra é um filme, por vezes, melancólico, vazio, contemplativo, que parece emergir como um grito do fundo da alma. Não exatamente sombrio, mas obscuro, tenso, reflexivo em sua proposta. É um filme maravilhoso, atípico do Woody, e com uma grande influência do estilo fílmico de Bergman. Simplesmente ótimo.
A Outra (Another Woman)
dir. Woody Allen - ★★★★
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