quarta-feira, 3 de junho de 2015

Crítica: "A ERA DO RÁDIO" (1987) - ★★★★★


A Era do Rádio talvez seja o filme mais autobiográfico já realizado por Woody Allen. E um dos mais completos, diga-se. Em questões de caracterização, muita gente, ao ver A Era do Rádio, remotamente poderá se lembrar de A Rosa Púrpura do Cairo, fantasiosa comédia romântica de Allen que antecedeu essa, que fica bem mais para uma comédia de época do que para romântica. A Era do Rádio, cuja trama é narrada por Woody, centraliza-se na vida e no cotidiano de uma família judia de Nova York em meio às transformações do mundo à sua volta através de um dos meios de comunicação mais populares daquela época: o rádio (idolatração e importância que hoje se iguala à televisão). 

É muito interessante ver a análise de Woody, que praticamente vivenciou o pico da "era do rádio", sobre esse instrumento e sobre seu extremo valor para a sociedade e para o transporte de informações. O rádio, hoje, torna-se menor em meio à tantas outras áreas desenvolvidas, ainda mais como a TV, o cinema, a internet. Pode-se afirmar que atualmente ele não tem mais importância para nós, em quesitos de informação e comunicação em massa. Mas naquela época, era uma preciosa tecnologia. E Woody preza nessa ode aos velhos tempos nos quais o rádio imperava o fato de que um dia, o rádio já teve uma alta significância. 

A Era do Rádio, mais do que interpreta e encarna os tempos do aparelho radiofônico, também trata-se de uma singela memória. Ou até mesmo um filme sobre memórias, e como elas são de tamanho significado para nós. Com isso, Woody, nesse plano, anseia por identificar o quanto a era de ouro do rádio persiste firme e forte em perseguir seus pensamentos e firmar suas memórias da infância. Em narrações que mais se parecem com segmentos antológicos, se não fosse por Woody estar narrando cada um deles, é possível ver que pela enfatização, pela força, pela inquietude, o rádio marcou as lembranças desse gênio para sempre. As músicas, as novelas, os comerciais, as transmissões jornalísticas... Como em um livro, Woody se recorda em breves momentos de cada programa, e ainda faz questão de relembrar os shows favoritos de sua família, inclusive ele, amante de "O Vingador Mascarado", tendo até mesmo cometido uma espécie de "crime" no fim de conseguir um poderoso anel do personagem, roubando das doações escolares a quantia de quinze centavos - valor do tão conflituoso anel.

A maioria dessas memórias são fielmente cômicas, e inocentes. E a maioria dessa comédia baseia-se nos retratos da família judia de Woody, numa época onde todos (acredito que por conta da guerra) viviam juntos: avós, tios, sobrinhos, filhos... Mas é tudo tão delicioso que é impossível dizer que não era uma coisa divina conviver dentro daquela família, sendo - ainda mais - Woody, que pra lá e pra cá só levava pancada dos pais. A Era do Rádio é um dos únicos filmes de Woody que ganha a chance estupenda de ganhar aclamação geral, tanto do público mais entrosado tanto quanto do público mais reservado. Todos amarão A Era do Rádio, por que ele se trata tão enfocadamente das lembranças, e é muito fácil assimilar as memórias de Woody Allen às nossas. Afinal, os tempos, sempre distantes em idade, nunca estão tão distantes em semelhança.

Uma das cenas mais memoráveis é a cena onde Bea, tia de Joe (Woody, feito por Seth Green), uma mulher encalhada que sempre é largada pelos homens com quem tem encontro, sai com um simpático cara. Bea é largada sem ser por motivo de beleza ou condição de sua parte, mas sim por peculiaridades inusuais e cômicas da parte deles (por exemplo, um dos homens com quem sai revela ser gay), que são bem remetentes aos nossos tempos. No final do encontro, eles se encontram no carro, e uma neblina "romântica" invade o espaço à frente do homem, que dirige. A música tocada é interrompida e o jornal anuncia a suposta "invasão marciana" (pra quem não sabe, Orson Welles, um dos maiores gênios da comunicação e um dos mais importantes artistas americanos, antes de se lançar no cinema, narrava histórias no rádio. Uma de suas narrações mais famosas foi a leitura do texto de Guerra dos Mundos, do escritor inglês H.G. Wells, que retratava a Terra sendo invadida por marcianos. A narração gerou pânico geral na população. Naquela noite de 30 de outubro de 1938, muitos, após terem ouvido a 'transmissão', se suicidaram). Com isso, o homem sai desesperado do carro, a deixando ir só para casa, no meio da neblina. Woody, nessa parte, preferiu reproduzir a comicidade do momento em vez de demonstrar o drama do povo diante da notícia. 

A Era do Rádio, em outras palavras, é uma obra simplesmente imperdível. Um dos filmes mais divertidos e excentricamente inteligentes já feitos por esse gênio incorrigível e neurótico, que sempre nos surpreende com suas maravilhosas aventuras sobre a vida e seus casos. Muito bom filme. Me deu muito o que pensar. Para quem procura um conteúdo de qualidade, um relato fiel e épico sensacional: A Era do Rádio é o melhor lugar. Ainda mais para você, fã de Woody, não perca por nada esse filme. É uma de suas películas mais essenciais. Arrisco: é tão memorável e retrativo quanto Amarcord, clássico de Fellini. 

A Era do Rádio (Radio Days)
dir. Woody Allen - 

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