quarta-feira, 24 de junho de 2015

Crítica: "UM POMBO POUSOU NUM GALHO REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA" (2014) - ★★★★


Exibido no Festival de Veneza do ano passado, onde conquistou o Leão de Ouro direto das mãos do compositor francês Alexandre Desplat (presidente do júri da edição passada), Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência despertou minha curiosidade e meu interesse desde que foi anunciada sua vitória no festival italiano. Ainda não vi Vocês, os Vivos, a obra mais famosa do cineasta sueco Roy Andersson, que, na década de 70, dirigiu vários curtas e longas que não chegaram a ter estreia internacional. Só no início dessa década, após ter exibido um trabalho em Cannes, foi que Roy despertou atenção e comoção.

Encerrando a trilogia que começou com esse trabalho lançado em Cannes, em 2000, Um Pombo Pousou num Galho... é um filme incrivelmente memorável. É, com certeza, demasiadamente bizarro, mas não chega a incomodar ou causar exaustão. É um filme, à seu modo, delicadamente divertido e cômico. Nem todos, logicamente, gostarão desse filme: já fica um alerta. Não é uma comédia que o fará se debulhar em lágrimas geradas por inconscientes ataques de risos. É um humor leve, ainda que desconcertante e bem entonado, digamos. Na maioria das vezes, o humor das situações é tão incompreensível que só por conta dessa falta de conexão entre o entendimento e o acontecimento, algumas risadas já são liberadas.  

Não sei se, ao certo, o filme possui uma história, digo, concreta. Ora parece uma série de esquetes humorísticas organizadas por Roy num plano surreal, ora nos parece um filme que apenas narra segmentos irreais do cotidiano humano e da rotina cansativa que nos aprisiona incessantemente. Talvez, tais explicações sejam ambiguamente corretas sobre ele. Bem, tentarei explicar sobre algumas situações apresentadas dentro do longa que mais me parecem, de fato, legíveis. Dois homens trabalham num atípico "ramo do entretenimento": vendem máscaras, dentes de vampiros e sacos de risadas (creio que a parte do entretenimento foi uma crítica da parte de Andersson) com função de "divertir" as pessoas, no entanto, acabam tendo problemas de relacionamento entre eles visto que eles estão procurando um homem que os deve uma porrada de dinheiro, além de alguns distúrbios emocionais que afeta a um dos vendedores e o outro, que, ao não olhar para os lado enquanto atravessava a rua, foi atropelado por um carro.

Outro segmento, um dos inicias, narra "três encontros com a morte" (algo que, primeiramente, nos dá a noção de que será um filme de esquetes, o que, na verdade, é e não é ao mesmo tempo): um homem tem uma parada cardíaca enquanto abria uma taça de vinho; uma senhora que, no leito de morte, agarra uma bolsa cheia de diamantes e dinheiro e os filhos tentam tomar dela (certamente é o segmento mais engraçado) e o outro é em um navio, creio, onde um homem cai morto e, tendo pagado um lanche no restaurante do bordo, cabe à vendedora oferecer gratuitamente aos passageiros a refeição do morto.

Pode parecer tudo muito sem sentido, mas, nessa ausência de sentido, há toda uma complexidade. A repetição de bordões, a fotografia nitidamente bege, os cenários fixos e quase sempre imóveis (para não dizer sempre), o roteiro desorientado nos quesitos linearidade e, o já comentado, sentido. Nada impede Um Pombo Pousou Num Galho... de ser uma obra bem impactante e sensacional, e por outro lado, totalmente absurda e inusitadamente engraçada, embora melancólica certas vezes. O roteiro, de várias formas, tenta relacionar um passado distante a um presente cada vez mais, de fato, presente e atual, misturando temas e capítulos épicos como se tivesse algo a significar por trás de tanta apresentação de elementos. Talvez, essa utilização de elementos surreais e autônomos que nos causam tão impressivamente interesse, desconforto e estranheza seja apenas uma técnica a fim de aproximar o público da própria insensibilidade e estranheza presentes pesarosamente em nosso dia-a-dia. Se o longa é filosófico? Por que não? Como o próprio título nos introduz, e como eu  acredito que não deixa de ser em nenhum ponto mentira, é a tal da reflexão que gira em torno das surreais ações dos personagens.

Um Pombo Pousou num Galho... já vai sair dos cinemas brasileiros, infelizmente, pois, tendo entrado em cartaz no dia 14 do mês passado, já se despede das sessões após ter completado um limitado tempo de exibição de um mês, como se não bastasse o filme já ter sido selecionado para determinadas cidades nacionais. Não percam, àqueles que apreciam filmes de caráter cultural e que aparentam bizarrices de um diário mais ainda bizarro. Inexplicavelmente sensível e tensamente brilhante, Um Pombo Pouso num Galho... merece ser visto, aplaudido e reconhecido. Título alternativo: "Cenas da nossa peculiar realidade em um plano um pouquinho mais exagerado do que o normal, sem deixar de ser absolutamente verdadeiro e caracteristicamente cômico".

Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
(En duva satt på en gren och funderade på tillvaron)
dir. Roy Andersson - 

Nenhum comentário:

Postar um comentário