domingo, 5 de julho de 2015

Crítica: "WOODY ALLEN: UM DOCUMENTÁRIO" (2012) - ★★★★★


"Hipócrita é aquele que escreve um livro sobre ateísmo e reza para que ele venda". Um mês anterior à estreia de seu próximo filme, Homem Irracional, revejo, agora no cinema, um dos documentários mais formidáveis que eu já tive a oportunidade de ver em minha vida: Woody Allen: Um Documentário, visto inúmeras vezes por minha pessoa, agora exibido pela primeira vez no circuito, depois de três anos de seu lançamento original. Vi pela primeira vez em 2013, na internet, em uma versão mais longa (a chamada director's cut, que foi exibida na TV). A segunda vez foi ano passado, quando encontrei o longa na Netflix, em uma versão reduzida, a versão cinematográfica. Não muda muito, uma pra outra. Acho que três cenas são deletadas na versão cinematográfica, algo assim. 

A ideia de ter um documentário de Woody Allen é tremendamente ambiciosa, e ainda sim perigosa. Filmar os bastidores da vida de um artista cuja inigualável carreira é um marco histórico vindo de trabalhos lendários, com certeza, pode ser tremendamente arriscado e incerto. Mas aqui funcionou. Woody Allen: Um Documentário é uma obra que costura metodicamente os episódios mais importantes da vida de Woody, desde os primórdios de sua carreira até o último filme realizado pelo cineasta na época de seu lançamento (Meia-Noite em Paris). Vale lembrar que, assim como o delicioso e triunfal documentário Life Itself - A Vida de Roger Ebert, Woody Allen: Um Documentário é recheado com entrevistas e depoimentos sensacionais de colegas, próximos e colaboradores de Allen, que contribuem para nossa compreensão e aprofundamento das realizações do cineasta aqui propostas.

Woody Allen: Um Documentário investiga a vida de Woody de uma maneira surreal, incrível e até mesmo inesperada, pelo tamanho da pesquisa que foi feita por trás da carreira e de toda a vida do diretor. Pode-se dizer da forma mais completa possível que tal investigação torna o documentário uma peça de valor precioso e singular. E o interessante é que não é um retrato superficial, o que já era um risco que poderia levar o longa ao fracasso. É um retrato, digamos, muito fiel em relação à Woody. Digo sem errar: o maximamente fiel possível. E este é o documentário que eu queria. Algo que não fosse completamente vazio, e que conseguisse, com exímia qualidade e extremo equilíbrio atingir a fidelidade. Vejo tudo isso aqui. A estratégia de Woody me deixa deslumbrado. Ver uma pessoa ter tanto sucesso por contribuições espetaculares é algo fascinante, ainda mais na natureza da qual Allen se encontra. Ver que, além de ser um diretor, roteirista e ator excelente, este homem ainda é um comediante brilhante e outrora músico que toca em vários lugares pelo mundo me deixa de boca aberta. E é impossível não idolatrá-lo (e invejá-lo, logicamente). E ainda porém, é uma pessoa que se meteu em alguns probleminhas de uns tempos pra cá (o polêmico relacionamento de Woody com a filha adotiva, Soon-Yi, e consequente casamento após um divórcio cheio de intrigas com Mia, que, infelizmente, não aparece nesse documentário - ela é a única das ex-mulheres de Woody a não documentar aqui), mas não é nada tão grave, se visto de um ponto de vista mais explícito. Tendo estuprado ou não - eu acredito que não -, Woody continua sendo Woody pra mim. Mia continua sendo Mia pra mim. Aprecio seus caráteres artísticos, e seus caráteres pessoais pouco me importam. 

Woody Allen, um dos meus cineastas prediletos (isso é, se não é meu cineasta predileto, perdendo talvez para Fellini, Bergman, Chaplin e Hitchcock, se não estiver na mesma altura que todos eles), possui uma filosofia de vida muito inteligente e ora obscura, da qual eu compartilho. Posso dizer sem medo que o trabalho de Woody me influenciou longamente no início da minha cinefilia e até o momento atual. Foi um dos primeiros diretores com quem tive uma ligação, que me lembre. Woody sempre foi alguém que muito me deu prazer pela maneira com a qual conduzia seus filmes e quase nunca apresentou um fracasso, e mesmo quando apresentava, era impossível não encontrar algo de qualidade no tal filme (como a Mariel Hemingway disse no início do filme). Gosto da maneira com a qual Allen "encara" a sua carreira cinematográfica, dizendo que faz um filme por ano apenas para gastar o tempo que seria inicialmente gasto com depressivas melancolias relacionadas à morte, questão da qual Woody teme incessantemente, e vira e mexe é tema de suas obras. E, ainda sim, mesmo estando cercado de tanta gente da mídia, incluindo a família, a própria equipe e o grande número de admiradores, Woody Allen ainda sim se diz um homem sozinho, talvez por conta de seu método de trabalho, já que ele mesmo não gosta que mexam em seus filmes de jeito nenhum. Se isso tem alguma ligação estreita com a sua obsessão sobre a morte, não sei. Só mesmo sei que esse documentário me deixou inspiradíssimo. Woody é uma pessoa que me inspira, me cativa, me emociona.

Ver um filme que praticamente nos introduz o processo criativo do cineasta, desde a seleção do roteiro e da história, feita de maneira da qual o cineasta, tendo várias ideias escritas, seleciona apenas uma e cria um filme baseada naquela ideia, até a direção, feita de uma maneira muito casual, desprevenida de técnicas e muito simplista, mas que é inteiramente genial e funciona de um jeito eficientíssimo. Um dos melhores pontos desse documentário é a análise do trabalho de Woody, que não é muito conhecido por nossa comunidade cinéfila, já que Woody, como é até falado pela irmã dele, Letty, não é muito familiarizado com entrevistas. Para isso, este documentário funciona como um guia. Um guia que me deixou bastante alegre além de ter respondido à muitas questões minhas, além de ainda ter criado outras e as respondido na mesma hora. 

E o melhor é que este documentário, através da revisão de alguns dos melhores filmes de Woody, tal como suas fases, também simboliza a relação desde diretor brilhante com o público. É bom ver, a certo modo, o desenvolvimento e a evolução de Woody, das comédias mais acentuadas das décadas de 60-70, que fizeram um baita sucesso, tais como Um Assaltante Bem Trapalhão, Bananas, Dorminhoco e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, para outros filmes que, embora tivessem traços remetentes ao bom cinema de Allen, apresentaram um alto teor dramático, como Interiores, Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo, Crimes e Pecados e Maridos e Esposas. Talvez esse seja o melhor ponto de todo o documentário. E eu, fã devotado de Woody, como disse, desde o início de minha cinefilia, que surgiu não faz muito tempo, não poderia deixar de apreciar imensamente esse documentário visionário e belíssimo. Afinal, o que é melhor do que Woody, nos dias de hoje, já que ele é um dos únicos melhores diretores vivos, ao lado de, talvez Scorsese, Tarantino e alguns outros que até dá pra contar? O problema é que, de Scorsese, Tarantino, Eastwood (esse até que vai), Almodóvar, Von Trier entre outros é que a grande maioria deles impõe um intervalo por vezes longo entre cada um de seus filmes. Já Woody não. Com sua competência e sua extrema habilidade para o cinema, umas das únicas certezas que temos a cada ano é que veremos um filme dele (bem, talvez não no nosso circuito, como aconteceu algumas vezes, mas que é lançado é). Um bom filme, como é mais frequente. E não tem nada melhor. Cada ano que nasce, Allen traz consigo divinas e maravilhosas películas, boas ou ruins, sempre de Allen, o que já as fazem boas. Sempre muito interessante. E essa característica é a primeira de todas as suas qualidades, que incluem excelência, genialidade e bom humor, coisas que o tornam, de fato, essencialmente único. Deixo uma dica: Woody Allen: Um Documentário ao lado de Wild Man Blues, outro bom filme sobre Woody que explora a carreira musical do diretor, rendem uma boa sessão dupla. Quem ainda não viu ambas as obras, é uma chance.

Woody Allen: Um Documentário (Woody Allen: A Documentary)
dir. Robert B. Weide - 

Nenhum comentário:

Postar um comentário