sexta-feira, 3 de julho de 2015

Crítica: "CACHÉ" (2005) - ★★★★★


Com certeza não posso afirmar que Caché é mais assustador do que Violência Gratuita, mas tem a mesma incrível quantidade de impacto e violência. A história mais enigmática já feita por Haneke é um thriller psicológico que foca na jornada de uma família diante de uma invasão de privacidade repentina: fitas misteriosas são enviadas à casa dos Laurent, o que faz com que um clima constante de medo e pânico instale-se em cada um deles devido aos emergentes transtornos precipitados pela inimaginável espionagem, atrapalhando e desgovernando a relação dos familiares um com os outros, colocando à tona segredos escondidos (daí o nome Caché, que, se traduzido, significa "escondido"). A excelência com a qual o roteiro é conduzido por Michael Haneke, e a dedicação de um elenco bravíssimo fazem com que este filme transforme-se numa contemporânea meditação sobre a culpa e a privacidade, e como ambas podem ser invadidas devido à uma exposição perigosa. 

Vale ressaltar ao espectador desinformado que Caché não é um filme qualquer. O longa te engana. Profundamente. Desde os primeiros diálogos até o desenrolar dos créditos, que podem facilmente desapontar àqueles que não estejam interessados em refletir nos pontos apresentados pela trama, propositalmente, difícil e complicada, porém bem-feita e extremamente interessante. E o bom de Haneke é que ele é um diretor que nunca mostra-se com receio de experimentar novas formas de nos apresentar seu revolucionário e absurdamente genial cinema. 

Caché apresenta inúmeras qualidades. E nenhum defeito aparente ou significante. Com certeza é uma obra atípica, mas que também apresenta inúmeros desafios a fim de fazer com que o próprio espectador participe da trama junto com os personagens e experiencie a tensão que o medo e a culpa, juntos, proporcionam. E, quem sabe, você mesmo não se identifique com a própria história de Georges Laurent, e sua infância "malévola" (e bota aspas nisso, por favor). A intensidade com a qual a família Laurent, em especial Georges e Anne, é posta em prova contrasta com a igualmente intensa falta de provas para representar a tensão instalada entre cada um deles devido às mensagens que andam os corrompendo pouco a pouco: fitas de vídeo são entregues à eles, e nessas fitas de vídeo acompanham-se filmagens do exterior da casa deles, mostrando-os saindo para o trabalho, etc... E a partir daí avança: as filmagens passam a aprofundar e detalhar questões pessoais dos Laurent, tal como a casa onde Georges foi criado, na fazenda, onde também é locada uma das cenas mais chocantes do longa. 

E no fim, toda a tensão que a família inicialmente criou foi em vão, simplesmente desse jeito, já que o jogo virou-se contra eles e, no final, nada da família foi perdido, ninguém se feriu, nada se partiu. Tudo continuou do mesmo jeito. No entanto, não teve como esse episódio, que se encerra meio sem explicação, afetar deliberadamente na relação de Anne, Georges e Pierrot. Os laços familiares, às escondidas, se rompem, pois a desconfiança gerada pela série de mentiras escondidas, que ironicamente revelam lados comprometedores de seus piores segredos. Georges abre mão de um passado culposo (na infância, Georges narrou diversas mentiras à seus pais para fazer com que seu irmão adotivo fosse mandado à um orfanato), Anne, a infidelidade e até mesmo o jovem Pierrot abre mão de ficar na casa de um colega escondidamente, sendo esse capítulo um dos mais preocupantes e aterrorizadores do filme.

Então, antes de buscar respostas para as questões que envolvem o filme, procure primeiramente refletir e pensar nas questões que Haneke nos entregou. Pensar nelas pode mudar todo o sentido do filme em ser claramente um drama ou até mesmo um thriller psicológico, fazendo-o ser mais como um retrato de uma família em pânico quando uma situação acaba pondo em risco seus detalhes escondidos. No entanto, aí vem um "presentinho" de Michael Haneke: as respostas ficam à nosso critério. Cabe à nós, o público, procurar avaliar a melhor interpretação possível para estas questões e, então, formular uma resposta cabível à elas. O final, como o próprio Haneke revelou, tem a falta de coerência como propósito. Algo que nos leva a imaginar: "será que Pierrot foi o autor das fitas, tornando toda a situação funcionar como uma mera brincadeira de mau gosto?" ou "tudo foi uma armação do subconsciente preenchido por culpa e receio do sr. Laurent?", "será que Majid e seu filho estavam falando apenas a verdade ou mentindo ao afirmarem veemente que não foram eles os autores das tais fitas?", todos os personagens, que são poucos, ficam marcados como suspeitos. Todos. A excentricidade de Caché encontra-se aí: é um filme que, mesmo tendo como resultado uma situação ocasional e até mesmo "alarme", torna-se rigidamente assustador e, novamente entre aspas, "traumático", a ponto de deixar seu espectador profundamente afetado pelo clima constante de instabilidade e tragédia. 

Caché é um filme brilhante e triunfal! Merece ser visto e aplaudido. Visão autêntica de Michael Haneke por cima dos preceitos burgueses de uma família cujos segredos desencadeiam numa tragédia irreversível, Caché é uma obra marcante que consegue pôr seu próprio público diante de uma experiência que, por si só, já é demasiadamente provocadora e angustiada. 

Caché
dir. Michael Haneke - 

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