À Francesa, por um lado, pode ser um filme bem tosco, mas pelo outro é sensato, intenso, simpático, bem-contado e belíssimo. Se, de tudo, não conseguiu agradar nem um pouco a crítica em seu lançamento (o filme, que relata de modo forte e profundo a relação entre franceses e americanos, não foi bem recebido à altura, lembrando do conflito que França e E.U.A. travaram devido ao 11 de setembro no tempo), pelo menos não é tão enfadonho quanto eu pensava que seria, na questão da história, que pelo enredo já soa demais problemática - o que, para a minha surpresa, não é, não -. Afinal, é doce, tenro, gostoso de se ver. O filme oscila entre o drama e a comédia, mas a todo instante, mesmo em cenas tensas, a pureza e a beleza da vista não deixam de ser radicalmente apreciáveis e enternecedoras.
Descartado em Cannes, mas aceito em Veneza, este filme, pelo incrível que pareça, se salva do cansaço e da mesmice, e do possível fracasso, ao dissolver minuciosamente as diferenças existentes entre duas culturas tão distintas de uma forma que não é ao certo nova, mas também não é nada tão ruim como muita gente andou protestando por aí. À Francesa, logicamente, não tenderá a agradar todo um público da mesma forma. É um filme que, sim, depende do olhar. Desastroso? Devagar? Inútil? Decepcionante? Perda de tempo? Que nada. Desculpa velha de quem não entendeu ou não teve a intenção de interpretar os objetivos da narrativa por preconceito ou falta de aptidão. Bem, como eu mesmo disse: nem todos gostarão de À Francesa.
Até eu entrei no ritmo, já que detesto Kate Hudson, mas aqui a graça da bela atriz é inegável. E de Naomi Watts, então, nesse papel delicado e bem sutil, que carrega a melhor atuação deste filme, que possui um grande número de estrelas. À Francesa conta a chegada de uma moça americana, chamada Isabel Walker, em Paris, que está na cidade para cuidar da irmã grávida, uma poetisa chamada Roxeanne, e também para encontrar um trabalho. No dia de sua chegada, Isabel descobre que o parceiro de Roxeanne está a deixando por um motivo desconhecido. Isabel tenta reanimar a irmã, enquanto ela permanece tristonha e tensa o tempo todo, ainda mais quando descobre que o amado sacana armou um plano com o advogado para tirar dela uma valiosa pintura.
O maior e fatal erro de À Francesa é o roteiro de Ruth Prawer Jhabvala, vencedora de dois Oscars por trabalhos anteriores com James Ivory, diretor de épicos fabulosos como Vestígios do Dia e Retorno a Howard's End. O roteiro, enquanto apresenta inúmeras falhas, quão absurdas, ainda sim comete o inaceitável desfeito que coloca o próprio roteiro na frente do público, como se o público fosse uma opção descartável para o roteiro, e que ele não dependesse da compreensão do público para a sua própria compreensão. À Francesa faz questão de deixar tudo mastigado por nada. Nesse ponto, o filme perde a graça, por que o conflito abandona a oportunidade de submeter-se à dimensões maiores. Ruth, aqui em À Francesa, autoria um trabalho deteriorado e repleto de imperfeições. Embora tais erros acometam na resolução final do roteiro, as sacadas criativas que Ruth introduz durante o filme, como forma de lesionar ainda mais a aproximação cultural entre França e Estados Unidos, são simplesmente geniais.
Sem fazer um filme desde 2009, James Ivory conquista o coração e dança com nossas emoções num tango agitado e contorcionado neste filme lindíssimo. À Francesa, embora não seja um filme femininista, chega bem perto de tal identificação, já que é mesmo um filme destino à plateia feminina. A aventura das irmãs numa Paris romântica e encantada apenas tende a aumentar tal destinação. O público masculino, bonachão, achará de À Francesa um filme besta, ruim, sem quaisquer perspectivas de sua própria história, e ridiculamente meloso - o que é uma baita mentira -. Por um lado, o público feminino, aceitará sem reclamar os segmentos preenchidos pelas paisagens francesas líricas e audaciosamente versáteis, e por sua vez criará certo laço de reconhecimento com as personagens principais, seja com Isabel ou com a Roxeanne. O certo é que as damas apreciarão a bom porte À Francesa. Meu conselho aos machões em particular é que procurem uma obra de Sergio Leone para substituírem por À Francesa, por que o tempo de vocês será perdido em tal sessão. À Francesa, no entanto, apesar dos erros fatídicos do roteiro, possui performances plausíveis e acalentadoras, em especial a da Naomi Watts, aqui mais linda e triunfal do que nunca, e uma direção dedicada, embora não seja perfeita pelas inadequações, de James Ivory, e não deixa de ser em nenhum momento um bom filme, que emociona, faz rir e encanta. Só digo uma coisa sobre como achei À Francesa: não foi nem um pouco fácil. Por uma sorte lascada, cuja até agora me é totalmente bizarra, achei esta cópia de À Francesa dando sopa numa banca de jornal, pouco tempo depois de ter procurado o filme para ver em torrent. Pois é... A coisa é do mal!
À Francesa (Le Divorce)
dir. James Ivory - ★★★
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