Depois de um longo tempo de espera, finalmente chega em nosso circuito um dos longas mais esperados da temporada (pelo menos por mim, digo): Expresso do Amanhã, dirigido pelo coreano Joon-Ho Bong (conhecido por longas de sucesso como O Hospedeiro e Mother - A Busca pela Verdade). O resultado dessa distopia inusual e sensivelmente espetacular é a consagração e a concretização de uma obra excelente, notória e brilhante. Tanto quanto o recente Mad Max: Estrada da Fúria, Expresso do Amanhã aborda a jornada desconcertante e sangrenta de um certo grupo de pessoas em busca da sobrevivência.
Durante uma grave crise do aquecimento global, um gás foi liberado na atmosfera da Terra no objetivo de minimizar o caos da situação. No entanto, o gás acaba causando inúmeros transtornos e faz com que uma alteração climática gere um apocalipse humano devastador: a Terra congela e torna-se inabitável, assim matando toda a população, à exceção de uma pequena população, cuja é abrigada a bordo de um expresso que atravessa todo o mundo: o Snowpiercer. Isso em 2014. Enquanto os mais pobres vivem em condições horrendas, incluindo má alimentação, moradia, vestimentas e tudo o mais, a classe alta esbanja luxo e vive desfrutando de prazeres que não são disponíveis para os membros da "ralé", o que faz com que tais membros planejem entre eles uma rebelião para tomar liderança à frente do maquinário, tal rebelião que tem como líder um impetuoso revoltado, Curtis, que, ao lado de seu povo, decide implantar mudanças dentro de um sistema tão injusto e maquiavélico.
O bom das distopias é que elas sempre procuram analisar a relação de diferentes grupos sociais convivendo (às vezes, nem tanto) mutuamente enquanto eles se encontram em situações de risco. No entanto, muitas das vezes, o grande erro de tais distopias é que elas se mostram desnecessariamente longas e inúteis, a ponto de nem oferecerem ao espectador conteúdo de qualidade nem causarem nele interesse. Confesso que tive uma experiência inimaginável e tremendamente sensacional ao ver esta belíssima distopia. É uma experiência que me deixa desolado e ao mesmo tempo muito seguro de mim, já que sei que não sou o único que compartilha a ideia de que algum dia teremos algum episódio do tipo onde necessitaremos contar com a coragem, a boa vontade e a inteligência de cada um para lutar em busca de nossa própria sobrevivência. Minhas expectativas em relação à Expresso do Amanhã bateram. Pude até imaginar as cenas bem antes de vê-las, e vê-las aqui agora. Não levem isso como se o filme fosse óbvio demais. Digo isso por que tive meu pensamento distópico correspondido no desenvolvimento desta trama. Com certeza, será muito difícil vermos a ficção aqui retratada na vida real, como se um gás criado laboratorialmente pudesse ser lançado no ar e, então, matasse todos os humanos na Terra, à exceção de um grupo de pessoas dispersas de classe entre elas que embarcam a bordo de um expresso que caminha pelo gelo e dá a volta ao mundo. Mas, quem, um dia, poderá impedir uma catástrofe de alguma semelhança com a apresentada aqui? Ninguém, ao certo, sabe.
De qualquer forma, a visionária proposta de Joon-Ho não se baseia em princípios morais, ou até talvez éticos. A história seria por demais inventiva e de menos observativa se tais pontos fossem exibidos ao espectador com uma maior amplitude do que a possível. Ao contrário, vemos que nossos personagens, domados por uma fúria incessante, procuram exterminar os males e as pragas que os acometem, enquanto ao mesmo tempo procuram ajudar um ao outro. E mesmo diante da gravidade, vemos que nem sempre tal ajuda se encontra disponível. É bem capaz ver essa impossibilidade na cena onde (ops, spoiler!) Curtis se vê diante de um dilema: enquanto por um lado seu melhor amigo e protegido, Edgar, está sendo agarrado e preso à uma faca por um dos homens do poder, do outro lado a ministra Mason, que está ferida, é carregada por um segurança para fora de um dos vagões onde acontece uma batalha entre os pobres e a segurança. Diante disso, com um aperto enorme no coração, ele corre e agarra a ministra Mason, deixando Edgar ser morto. Tal cena identifica que o homem, diante de alguma situações, se vê obrigado a abrir mão de alguns patrimônios e recorrer ao seu instinto natural de sobrevivência, o que justamente acontece na cena. Deixando Edgar de lado, ele decide capturar a ministra, devido a unicidade daquele momento e a preciosidade da chance que, talvez, nunca mais seria acessível à ele. E agir com instinto foi a melhor coisa que ele fez, caso contrário a missão teria falhado e todos eles teriam sido mortos, recauchutados para o último vagão ou humilhados/obrigados a executar tarefas. É triste, mas é a salvação.
Um elenco esforçado emociona demais. Chris Evans (ator que eu nunca gostei, justamente por conta dos papéis menores e de pouco talento feitos em longas como Os Vingadores, Capitão América e todas as outras porcarias recheadas com efeitos visuais vazios que não fazem porra nenhuma a não ser deixar, pelo que eu sei e já experienciei, o espectador enjoado, chateado e dorminhoco. Mas que aqui faz um papel original e autêntico, ao contrário dos outros feitos por ele), Jamie Bell (cujas performances em Billy Elliot, Ninfomaníaca - Volume II, King Kong e Jane Eyre renderam minhas palmas, mas que também deu umas escorregadas por ter feito produções bilionárias cuja qualidade não vale um centavo), Tilda Swinton (ah, a adorável Tilda...), Octavia Spencer, Song Kang-Ho, John Hurt e Ed Harris.
Expresso do Amanhã é um filme incrível. Uma obra que não tem limites (no bom sentido), uma ode inovadora e distópica que nos encanta e ao mesmo tempo nos deixa trilhados e meditabundos. É um filme que merece destaque e glória, além de aplausos impressionados para reconhecer a qualidade comovente de sua estrutura e de sua história enternecedora. Que majestosa obra! Que majestosa direção, sr. Bong! Que punhos tenros e macios de ferro e pluma os seus para ter tanta coragem, astúcia e sensibilidade para assumir a direção de um projeto tão ambicioso, e ora perigoso (no sentido de "perigo de fracassar") deste, mas que por si só é inteiramente plausível e memorável.
Expresso do Amanhã (Snowpiercer)
dir. Joon-Ho Bong - ★★★★
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