sábado, 6 de fevereiro de 2016

Crítica: "FILHOS DA ESPERANÇA" (2006) - ★★★★


Alguns filmes nos comovem tão inesperadamente que fica até um pouco difícil argumentar sobre eles, quiçá expressar em palavras o quão emocionante é assisti-los. Sim, estou me referindo a Filhos da Esperança. Peguei o filme pra ver ontem, de última hora, e fiquei fascinado. O mexicano Alfonso Cuarón capricha no resultado de um filme assustador, eletrizante e repleto de humanidade. Com um elenco apetitoso, Filhos da Esperança é um grande trabalho, mesmo que não seja uma obra-prima. Está bem longe de ser como E Sua Mãe Também ou Gravidade, tratando-se da carreira de Cuarón, mas não pode ser deixado de lado.

A trama do filme é ambientada em 2027. O mundo está caindo aos pedaços: guerra, miséria, desigualdade, conflitos sociais... E infertilidade. Há 18 anos, nenhuma mulher deu à luz a uma criança. O filme, aliás, começa dentro de um café com pessoas se mobilizando diante da morte da pessoa mais nova do planeta, o Baby Diego. Todo mundo está em choque perante a "trágedia". É aí que entra o protagonista, interpretado por Clive Owen, um ex-ativista que se rendeu à burocracia da sociedade, e que é, digamos, resgatado pela ex-mulher (Julianne Moore), a revolucionária líder de um movimento que quer a ajuda do homem para conseguir alguns documentos. Não passa meia hora de filme e o conflito explode. 

Há muitas semelhanças entre Filhos da Esperança e E Sua Mãe Também, tanto externamente (há uma cena em que os personagens de Clive e Michael Caine estão andando de carro que lembra uma sequência do outro) quanto internamente (a denúncia, a abordagem revolucionária, a multifacetada narração). Ambos também são filmes inteiramente bons, de poucos deslizes e uma lista gigantesca de acertos (com mais pontos para o filme de 2001 nesse quesito). É claro, isso falando quase que superficialmente, já que quaisquer detalhes podem passar despercebidos, e portanto posso estar deixando de fora alguma semelhança estética provável, mas com essa rapidez toda quem consegue dar atenção à minúcias dessa espécime? 

Não gostei muito da transição repentina e adiantada do filme. Nesse ponto o Alfonso errou feio. Não sei se é porque ele quis emular um clima mais descentrado e de guerra mesmo, como acontece mais proximamente, mas não coube aqui. Ele acelera bastante, e isso desequilibra o funcionamento da trama em certas partes, muito importantes. Ou então sou eu que não estava esperando o baque. Uma revisão cairia bem. Mas o que eu mais não gostei em Filhos da Esperança foi o desperdício da Julianne Moore. Poxa, Alfonso, assim não dá, né? (eita, será que isso foi spoiler?). 

O roteiro (co-escrito pelo Alfonso) pinta bem a humanidade que a história tanto transpira, sem deixar de fazer menção às injustiças da situação e às deliberações do caos. Tudo bem que há exageros, mas é normal e compreensível. E, a certo modo, é motor para a atenção do espectador, então... Filhos da Esperança é um filme de ação, mas um filme de ação desclicherizado. E se isso é bom, isso é bom. Mas aí o filme perde um pouco o sense de filme de ação. E isso também é bom. É sinal de que há equilíbrio entre a ação e o drama no filme. Mas aí o drama prevalece em vez da ação, que em partes é passageira na intenção ou descompromissada. E isso é bom demais, falando de um filme como Filhos da Esperança. Isso indica realismo. O longa respira realismo. E, vejam bem: não estou reclamando do gênero ação. Nesse contexto, ele fez bem em ficar timidamente onipresente de mãos dadas com o realismo severo e crível aqui visado, ainda mais depois da 1ª parte do filme.

E, se a Julianne Moore foi desperdiçada (sou fã da Moore, folks!), outros atores foram compensados com espaço e devida atenção. E não, não estou falando do Michael Caine, que também aparece pouco pra ser franco. Destaque especial para o Chiwetel Ejiofor (outro que também aparece pouco, convenhamos), Clare-Hope Ashitey (Kee) e Pam Ferris (sim, aquela professora malvada da Matilda, aqui em uma performance extraordinária, na pele da imigrante Miriam). Nem preciso falar do Clive Owen, numa das melhores interpretações da carreira dele (aliás, sumido o Clive, não é mesmo?). 

Enfim, só sei que Filhos da Esperança foi uma experiência impactante pra caramba, sem igual. Terror, drama, ação e ficção científica ao mesmo tempo, é asseguradamente um primor de filme. É imperfeito, mas contém sequências de deixar de queixo caído, sem falar naquela fotografia sempre arrebatadora do Emmanuel Lubezki. Cuarón filosofa sobre o amor, a justiça, os direitos, a (então) humanidade, o futuro, o preconceito, a igualdade e muitos outros temas dentro de uma crônica particular do mundo inteiro, uma história futurista calorosa e energética sobre a força da esperança. Tecnicamente, o filme (e também o livro adaptado) errou a aposta, mas nada está impedindo-a de ser incrível ou fantástica para a realidade do mundo atual. Ela, inclusive, até já pode estar acontecendo bem diante dos nossos olhos. É tudo uma questão de perspectivas.

Filhos da Esperança (Children of Men)
dir. Alfonso Cuarón - 

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