Depois de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Woody Allen nunca mais regressou às comédias escrachadas e satíricas que marcaram o início da sua carreira, e que é definitivamente uma de suas fases mais inspiradas. Até tem certos filmes que relembram a fase, mas não lá exatamente um revival. A sátira nos filmes do Woody dali a seguir ganharam um tom mais inibido ou disfarçado. É tanto que em Woody Allen: Um Documentário é mencionado que o público americano "nunca perdoou" Woody por ter abandonado o gênero pastelão, rasgado. Bananas, um dos primeiros longas do diretor, é um dos exemplares mais gostosos e engraçados dessa safra.
Em Bananas, Woody Allen interpreta Fielding Mellish, típico novaiorquino neurótico e sem-um-parafuso que trabalha testando produtos para uma grande corporação. Tendo abandonado a faculdade, Mellish gasta seu tempo reclamando das presepadas da vida e lamentando frustrações. Até que ele conhece uma ativista (Louise Lasser) e se apaixona perdidamente por ela. Após um tempo, ela decide dar um tempo na relação, e Fielding parte para San Marcos, um pequeno país latino que atravessa uma pesada ditadura.
A cena inicial de Bananas já dá uma dimensão do que é o filme: um repórter americano cobre ao vivo o assassinato do presidente de San Marcos, com direito a "entrevista" com a vítima, detalhes da cobertura, comentário... Essa amostra é praticamente uma garantia do show de comédia que é Bananas. Woody satiriza genialmente o estilo de vida em diferentes nações e os conflitos de estado, bem como a liderança e as maluquices das relações de poder. A análise é minuciosa e excentricamente bizarra. Bananas explora e critica através do bom humor as loucuras, os hábitos, as situações e as frenesis do mundo atual e da sociedade das mais diferentes maneiras.
O protagonista trapalhão e que se mete nas mais doidas encrencas, o amor perfeito que sempre arruma um jeito de nos atrapalhar, o espírito de leveza e ironia que nos carrega no ar, as nuances de um humor piadista livre e sensacionalista (num bom sentido). Bananas é excepcional. E muito, muito, muito engraçado. A comicidade Alleiana nunca esteve tão bem trabalhada num ritmo tão circense e brincalhão como foi em Bananas. Acho que no quesito humor, tratando-se dessa fase inicial do cineasta, Bananas só perde para Dorminhoco (levando em consideração que ainda não vi Um Assaltante Bem Trapalhão e Tudo o que Você Sempre quis Saber sobre Sexo* (*mas tinha medo de perguntar))
Woody despe a seriedade de uma temática ainda recente e polêmica para fabricar um humor limpo e intenso. Ele dá asas à sua imaginação como diretor, roteirista e também ator para dar vida à uma comédia única em toda a sua carreira, uma das melhores que ele já fez, provoco. Afinal, brincar com o cinema também é permitido, ora essa! Nesse quesito, Woody tira 10.
O iconismo das sequências satíricas agradáveis de se contemplar e marcadas pela inteligência espelha o quanto esse trabalho não soube ser apreciado e não foi reconhecido à altura, o que é infelizmente uma lástima, tratando-se de um de seus filmes mais divertidos. Citando essas cenas hilárias, estão, entre as minhas favoritas, a abertura, a operação cirúrgica, a picada da cobra (que na verdade é um pequeno fragmento), o jantar (quando a cena foi preparada para ser filmada, os instrumentos que seriam utilizados por uma pequena orquestra, alugados, não tinham chegado ainda, então Woody sugeriu que os atores apenas fingissem tocar, sem os instrumentos - essa passagem, ironicamente, é uma das mais engraçadas do filme inteiro), o treinamento rebelde, a cena do metrô (Sylvester Stallone aparece como um figurante, arruaceiro), o julgamento (aquele trocadilho com o J. Edgar Hoover me fez gargalhar alto), a da loja de revistas, a do protesto, a cena final... E por aí vai. É cada cena boa, que o filme de 80 minutos e pouco passa voando. As cenas locadas em San Marcos foram filmadas no Peru e na Costa Rica.
Bananas
dir. Woody Allen - ★★★★
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