quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Crítica: "ALÉM DA VIDA" (2010) - ★★★★


Está longe de ser um grande longa do velho Clint, mas é um trabalho maior na carreira dele e não só apenas por isso merece respeito. Trata-se de uma das únicas concepções cinematográficas que eu já tive a oportunidade de ver que é totalmente convincente abordando um assunto complicado e bem divido. Nunca pensei que Clint Eastwood me faria duvidar do meu ateísmo incontrolável, mais uma vez. Encarar o vazio que todos nós estamos destinos ao fim deste jornada é demais melancólico e abalador, mas de vez em quando é bom fugir da realidade e abusar de novas experiências, na busca de um novo significado. E não mentirei não: apesar de ainda continuar cético após a sessão, Clint mostra seus poderes de ilusão mais uma vez numa história espírita profunda e muito tocante, que é capaz de levar qualquer um aos prantos. 

Na verdade são três distintas histórias, unidas por um laço triangular entre os três personagens protagonistas: uma jornalista francesa, um vidente ocasional americano e um garoto inglês, cuja mãe, apesar de amar a ele e seu irmão gêmeo, é uma viciada em drogas. Logo na cena inicial a jornalista, na Tailândia, vivencia um catastrófico tsunami, onde, após ficar morta por um tempo, retorna à vida. O vidente, que vive em São Francisco, teve uma doença na infância e morreu durante uma cirurgia, mas voltou à vida. O menino enfrenta a perda súbita do irmão e procura ajuda espiritual, na esperança de contatá-lo. Três diferentes vidas. Um só destino. 

Embora a religião católica seja abordada pelo diretor de diversas maneiras em sua variadíssima filmografia, que de uns tempos pra cá foi se concretizando em sensíveis e intensos dramas de sucesso, como o vencedor do Oscar Menina de Ouro e Sobre Meninos e Lobos, é a primeira vez que o diretor lida com o espiritualismo, nu e cru. Mais uma vez com sucesso. Além da Vida está em algum lugar entre um de seus antecessores, Gran Torino, cuja força dramática não demorou para me deixar completamente maravilhado, e A Troca, que teorizou bastante sobre a perda em seu magnífico roteiro. Creio que aqui também não se ausenta características de Menina de Ouro, uma vez lembrando da relação conflituosa entre o padre e Frankie Dunn. 

Em Além da Vida não vi sequer uma gota de sangue à exceção da cena do acidente, o que talvez possa ser bem estranho para alguém do gênero de Clint Eastwood, cuja filmografia, mesmo distinta, não dispensa a presença de violentos choques e uma tensão acentuada - aqui também ausente -. E se por um lado Além da Vida apresenta esse Clint mais "suavizado", apostando certeiramente num drama carregado por uma fotografia desoladora (Tom Stern) e uma linda trama com mensagens emocionantes, o mestre continua genial, ainda sim deixando de lado tiro, porrada e bomba.

E que venha mais filmes dele do mesmo patamar de Além da Vida, e ainda maiores do que este. Filmes convincentes, firmes e que não desistem de tocar o espectador, deixar o recado. É até uma forma do diretor de simbolizar nossos preconceitos em relação ao assunto, como muitas vezes descartamos importantes posições diretamente relacionadas à religião, e como somos juízes da nossa própria ignorância... É preciso saborear a ideia para sentir de perto o que Além da Vida tenta nos comunicar. Não seria incrível poder contatar entes queridos, já falecidos? Ou então parentes que nem ao menos nós tivemos a oportunidade de conhecer bem, o que não falta pra mim. Embebido da ilusão, é até crível confiar em tais circunstâncias. Chega a ser mágico. 

Matt Damon, que estava em Invictus, retorna melhor aqui do que estava no longa anterior, em boa forma e praticamente intacto, exibindo sua positiva química com Eastwood, que funcionou muito bem em ambos os filmes. A excepcional participação de Cécile de France mexe muito também. Bryce Dallas Howard, que aparece em poucas cenas, brilha à seu jeito. A trilha sonora assinada por Clint Eastwood, primorosa como sempre. O rico roteiro original de Peter Morgan. Chega a ser interessante ver como Além da Vida foi rapidamente esquecido, e como se trata de um grande trabalho do cineasta, mas que não soube ser aproveitado pelo público com o tempo. Além da Vida me fez pensar e re-questionar o sentido da minha existência, que tanto venho investigando e tentando encontrar as respostas corretas, e confesso que até agora não obtive muitas. O melhor é aproveitar a vida, enquanto tudo continua bem controverso e é impossível ficar de um lado sem se preocupar em estar no outro. As possibilidades são inevitavelmente infinitas. Ver Além da Vida, esse show de humanidade imperdível, ajuda a acalmar, e evitar a (maioria) desnecessária tensão. É bom saber que não estamos sozinhos. 

Além da Vida (Hereafter)
dir. Clint Eastwood - 

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