Quase que chego atrasado para a sessão deste fofo O Pequeno Príncipe. Mas culpo a catastrófica fila, e a moça do caixa que saiu bem na hora que o filme tinha começado, às 16h50, e demorou um bocado antes de me atender. Quando cheguei, terminava o último trailer antes da exibição. Felizmente, eu adorei o filme, embora esperasse mais da adaptação. Enfim, o que realmente importava nesse caso era o filme ser tão mágico quanto o livro. Não é, mas chega bem perto. O Pequeno Príncipe, o novo belíssimo e agradável trabalho do animador americano Mark Osborne, que curiosamente é uma produção francesa, e sequer foi lançada nos E.U.A. ainda, consegue encantar demais, e me levou às lágrimas com sua preciosa e acalentadora ode à obra-prima literária homônima do escritor Antoine de Saint-Exupéry, fabricador do melhor livro infantil já escrito.
A sessão do longa, por outro lado, nem tanto me agradou. Definitivamente não estou e provavelmente não me acostumarei, tão cedo, à exibição digital, que tanto as salas de cinema por todo o país vem substituindo a película, a favorita de muita gente (incluindo eu) e que, se a moda pegar, fará uma falta do caramba. Além disso, a sala estava lotada de ignorantes e no fim da sessão só ouvi gente falando que não tinha entendido nem gostado do filme, enquanto outra multidão, da qual eu fiz parte, aplaudiu emocionadamente à medida em que os créditos subiam. Não fui o único a me emocionar não. Ouvi muita gente "fungando" em muitas partes do longa, que é inegavelmente bonito. E é em poucos momentos que dá pra rir. Sentei ao lado de um pai e seu filho. O homem ficava de cinco em cinco minutos checando o celular e mandando mensagens, o que me irritou em demasia, além de ter ficado explicando o filme todinho para a criança, muito pequena, e que cochilou num determinado momento. Os dois saíram da sala, foram no banheiro, voltaram, e depois de uns dois minutos - para a minha comemoração - o garoto falou ao pai que queria ir embora. Minha cunhada se irritou com o barulho dos pacotes de salgados/doces e latinhas de refrigerante que os espectadores tanto faziam questão de colocar pra cantar, algo que antigamente me irritava, mas com o tempo fui obrigado à me acostumar. Em compensação, a qualidade do filme, estremecedor, vingou esse desconforto que não é muito inusual no cinema.
O que talvez tenha me decepcionado em relação ao longa é justamente que ele não é uma adaptação direta do livro. Essa adaptação é fragmentada, mas em vez disso as mil e uma mensagens contidas dentro da obra literária são traduzidas ao filme e à garotinha, a pequena princesa daqui. E por isso, já lhes informo que, embora o título muito traga esse ar, O Pequeno Príncipe não irá apresentar apenas, centralmente, a história do livro. Afinal, que filme poderia fazê-lo, não? Trata-se de um livro difícil de adaptar-se para o cinema. Um dos grandes sucessos foi a versão de 1974, dirigida pelo Stanley Donen, protagonizada por Bob Fosse e Gene Wilder, embora lá o filme também tenha servido de inspiração para a montagem de seu musical. E quem sabe a animação mesmo não seja a melhor forma de nos contar essa história do que o live-action. Não diria que o apresentado aqui é um desperdício muito pelo contrário. Está mais para uma reciclagem - daí, uma adaptação, mesmo que não inteiramente fiel.
Minha cunhada insistiu para vermos dublado, uma vez que ela estava acompanhada da minha sobrinha, e lá fomos nós. Mas isso me irritou pouco, em relação ao filme. É claro, muito não perderia o elenco das vozes francês que compõe o filme, estrelado por Marion Cotillard, Vincent Cassel, André Dussollier e Guillaume Canet, mas fiquei em dúvida se a sessão legendada do filme seria em francês ou em inglês, que também só tem gente fera como Rachel McAdams, Jeff Bridges, James Franco, Paul Giamatti, Benicio del Toro, Ricky Gervais e Albert Brooks.
A delicadeza da trilha sonora que enaltece a beleza do longa é impagável. Mais uma vez, Hans Zimmer, bem-acompanhado por Richard Harvey, tocando nossos corações com notas abismadoramente deliciosas. Um triunfo para meus tímpanos. Enquanto isso, as mãos de Mark, redesenhando o espaço do livro tão originalmente, alimentam meus olhos e traçam com perfeição meu imaginário. Impossível não amar, não ficar estonteado.
Somos introduzidos à uma menina, de uns dez anos de idade, creio, cuja rigorosa mãe a treina diariamente para o teste de uma conceituada academia controlando o cotidiano dela e montando suas tarefas. A garota, impossibilitada de aproveitar as férias, se vê forçada a estudar os montes de livro e seguir corretamente um calendário atarefado e certinho. Até que certos eventos, como uma hélice de um avião rasgando a parede de sua casa, a levam a um antiquado, porém simpático, senhorzinho, seu vizinho, que possui uma casa diferente de todas as outras do bairro (bairro que inusitadamente lembra o mesmo de Meu Tio, eterno clássico do Jacques Tati), redecorada por um clima boêmio e cheio de velharias. A menina e o vovô vão passando o tempo juntos, enquanto a menina logo se vê cativada por uma intrigante história que passa a chamar a sua atenção, que levou o senhorzinho à ela. A história de um homem, a queda de seu avião no meio do deserto, e um menino que o aborda com o pedido de um desenho de um carneiro.
Assim começa O Pequeno Príncipe. Se vivo, Saint-Exupéry estaria pulando de alegria com esta adaptação. Afinal, tudo o que interessa é a magia, o que esse filme tem de sobra. No fim, acho que não combina muito com a criançada. Quem já teve a oportunidade de ler, e possivelmente reler, o livro homônimo, aproveitará demais a animação, que imita o conto reformulando seus lendários simbolismos, genialmente. Uma cópia fiel, eu diria. Mark Osborne se baseia na obra para criar a sua própria. E um final muito cordial faz de O Pequeno Príncipe uma versão bem menos séria, mas estrategicamente parecida, de As Horas. E essa beleza toda, hein? A adaptação pode valer muito, mas não bate a beleza desse longa, que de lindo tem até demais da conta.
O Pequeno Príncipe (Le Petit Prince)
dir. Mark Osborne - ★★★★
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