Um musical de Lars Von Trier. É dessa inusual ideia que surge Dançando no Escuro, muito provavelmente o melhor filme do diretor dinamarquês. Último filme da trilogia "Golden Heart", de Lars (antecedido por Os Idiotas e Ondas do Destino), o intenso drama Dançando no Escuro não só me deixou completamente desolado como também me fez enxergar que, assim como outros filmes do cineasta, a América não é toda essa beleza que imaginamos não. Talvez, nessa questão, não seja tão forte e intrigante quanto Dogville ou Manderlay, mas dá conta do recado e deixa bem nítido seu protesto contra o estereótipo que eleva a nação americana a "terra dos sonhos", o que talvez possa ser verdade. Até a página 2. Lars Von Trier explica porque tal alcunha é de moral duvidosa.
O espectador é colocado em teste diante do amor materno em sua forma mais pura e autêntica possível. Há quem estranhe Dançando no Escuro vir de alguém justamente do escalão de Lars Von Trier, uma pessoa cuja filmografia é considerada, por muitos, polêmica e excêntrica. Assim foi, também, em Ondas do Destino. E o melhor é que ele funciona trabalhando com um drama tão pesado como esse, que necessita de cuidados especiais. Não é à toa que ele se transforma em seu melhor filme. E não é só isso. É um musical também - fenômeno mais extraordinário ainda - e funciona brilhantemente. Ou seja, não duvidem caso ouvirem que Dançando no Escuro é o melhor e mais impactante filme de Lars.
De fato é um filme que anda muito esquecido, mas é definitivamente o melhor longa dele. Recheado com uma perplexa e apaixonante eletricidade, e com uma atordoante sensibilidade, Dançando no Escuro é ambientado nos anos 60-70, creio eu, nos Estados Unidos, onde uma imigrante da Checoslováquia, Selma, vive com o filho de doze anos num trailer no terreno da casa de um policial, e trabalha numa fábrica. Apaixonada pelo gênero musical, a imigrante veio para os E.U.A. na intenção de dar uma vida melhor ao filho, e consequentemente viver em boas condições, mesmo que não luxuosas. Selma trabalha duro para economizar dinheiro com o fim de pagar a cirurgia de seu filho, que sofre de uma doença hereditária que afeta a visão, e vai deixando a pessoa cega aos poucos (glaucoma?), patologia que também acomete a mãe, que apenas se preocupa com o filho, que nem sempre obedece à mãe ou reconhece seu esforço. Porém, Selma, ao lado da amiga Kathy (a.k.a. Cvalda), passa por poucas e boas em uma jornada desesperadora, depressiva e automaticamente desgastante, no espírito mais trágico e menos defeituoso que a palavra traz.
Dá dó ver Dançando no Escuro. Talvez seja o filme do Von Trier que mais dê dó. A doçura de Selma, sua luta pela salvação do filho e o sofrimento dela são todos intermináveis (o próprio final, talvez um dos mais abaladores e desconcertantes que eu já assisti na minha vida). E a gente fica emocionado com a persona dela, justo por todas essas aquisições. Afinal, a vida é feita de injustiça, sempre. Até mesmo nos Estados Unidos, a "terra dos sonhos". E, mesmo que o filme sirva de crítica com geniais protestos no fundo, é a sua expressão exterior que vence. É a construção do inimaginavelmente perfeito e inteligente roteiro, a performance catastrófica e bondosa de Björk, os segmentos musicais que aquecem a alma. A beleza da história. Quem diria que dentro de um ser revoltado como Lars, simpatizante de Hitler e ex-adepto do Dogma 95, entre outros, havia esperança e amor? Puxa vida, hein... É mais que um presente.
Os clipes musicais de Dançando no Escuro, gravados simultaneamente por múltiplas câmeras, o que fortalece a linda edição, menção honrosa a "I've Seen It All" (canção que indicou Björk e Lars Von Trier, pela única vez, ao Oscar em 2001) e "Cvalda". O bom é que o filme abriga consigo um significado importante, necessário. Ouvir o coração é essencial. Enxergar com ele, mais ainda. E quem não chorar depois das duas horas torturadoras e íntegras desse longa muito provavelmente não é um ser humano.
Mas em cena temos a Björk, que revelou: "Dançando no Escuro é o meu primeiro e último trabalho como atriz", um desperdício imperdoável da parte da cantora que já é maravilhosa nos discos, e na película nem se fala, se bem que ela e Lars Von Trier tiveram algumas desavenças no set, mas vale lembrar que o Lars é bem complicado mesmo, e trabalhar ao lado dele deve ser um tanto puxado.
Co-produção entre 13 países, Dançando no Escuro é uma obra mais que memorável, com um elenco excepcional (destaque a Björk e Catherine Deneuve, também ótima) e uma mensagem infeliz e verdadeira, repleta de realismo, remontada por um dos autores cinematográficos contemporâneos mais controversos e deliciosos. Embora não seja o típico do diretor, a presença de Lars aqui é notória e precisa.
Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)
dir. Lars von Trier - ★★★★★
O espectador é colocado em teste diante do amor materno em sua forma mais pura e autêntica possível. Há quem estranhe Dançando no Escuro vir de alguém justamente do escalão de Lars Von Trier, uma pessoa cuja filmografia é considerada, por muitos, polêmica e excêntrica. Assim foi, também, em Ondas do Destino. E o melhor é que ele funciona trabalhando com um drama tão pesado como esse, que necessita de cuidados especiais. Não é à toa que ele se transforma em seu melhor filme. E não é só isso. É um musical também - fenômeno mais extraordinário ainda - e funciona brilhantemente. Ou seja, não duvidem caso ouvirem que Dançando no Escuro é o melhor e mais impactante filme de Lars.
De fato é um filme que anda muito esquecido, mas é definitivamente o melhor longa dele. Recheado com uma perplexa e apaixonante eletricidade, e com uma atordoante sensibilidade, Dançando no Escuro é ambientado nos anos 60-70, creio eu, nos Estados Unidos, onde uma imigrante da Checoslováquia, Selma, vive com o filho de doze anos num trailer no terreno da casa de um policial, e trabalha numa fábrica. Apaixonada pelo gênero musical, a imigrante veio para os E.U.A. na intenção de dar uma vida melhor ao filho, e consequentemente viver em boas condições, mesmo que não luxuosas. Selma trabalha duro para economizar dinheiro com o fim de pagar a cirurgia de seu filho, que sofre de uma doença hereditária que afeta a visão, e vai deixando a pessoa cega aos poucos (glaucoma?), patologia que também acomete a mãe, que apenas se preocupa com o filho, que nem sempre obedece à mãe ou reconhece seu esforço. Porém, Selma, ao lado da amiga Kathy (a.k.a. Cvalda), passa por poucas e boas em uma jornada desesperadora, depressiva e automaticamente desgastante, no espírito mais trágico e menos defeituoso que a palavra traz.
Dá dó ver Dançando no Escuro. Talvez seja o filme do Von Trier que mais dê dó. A doçura de Selma, sua luta pela salvação do filho e o sofrimento dela são todos intermináveis (o próprio final, talvez um dos mais abaladores e desconcertantes que eu já assisti na minha vida). E a gente fica emocionado com a persona dela, justo por todas essas aquisições. Afinal, a vida é feita de injustiça, sempre. Até mesmo nos Estados Unidos, a "terra dos sonhos". E, mesmo que o filme sirva de crítica com geniais protestos no fundo, é a sua expressão exterior que vence. É a construção do inimaginavelmente perfeito e inteligente roteiro, a performance catastrófica e bondosa de Björk, os segmentos musicais que aquecem a alma. A beleza da história. Quem diria que dentro de um ser revoltado como Lars, simpatizante de Hitler e ex-adepto do Dogma 95, entre outros, havia esperança e amor? Puxa vida, hein... É mais que um presente.
Os clipes musicais de Dançando no Escuro, gravados simultaneamente por múltiplas câmeras, o que fortalece a linda edição, menção honrosa a "I've Seen It All" (canção que indicou Björk e Lars Von Trier, pela única vez, ao Oscar em 2001) e "Cvalda". O bom é que o filme abriga consigo um significado importante, necessário. Ouvir o coração é essencial. Enxergar com ele, mais ainda. E quem não chorar depois das duas horas torturadoras e íntegras desse longa muito provavelmente não é um ser humano.
Mas em cena temos a Björk, que revelou: "Dançando no Escuro é o meu primeiro e último trabalho como atriz", um desperdício imperdoável da parte da cantora que já é maravilhosa nos discos, e na película nem se fala, se bem que ela e Lars Von Trier tiveram algumas desavenças no set, mas vale lembrar que o Lars é bem complicado mesmo, e trabalhar ao lado dele deve ser um tanto puxado.
Co-produção entre 13 países, Dançando no Escuro é uma obra mais que memorável, com um elenco excepcional (destaque a Björk e Catherine Deneuve, também ótima) e uma mensagem infeliz e verdadeira, repleta de realismo, remontada por um dos autores cinematográficos contemporâneos mais controversos e deliciosos. Embora não seja o típico do diretor, a presença de Lars aqui é notória e precisa.
Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)
dir. Lars von Trier - ★★★★★
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