Uma bela surpresa esse Melinda e Melinda, tímida obra de Woody Allen que não é muito comentada, mas merece ser vista, principalmente por sua inteligente abordagem. O grande elenco, as piadas geniais que entonam o lado cômico dessa trama e a fotografia obscura e sempre lindíssima de Vilmos Zsigmond que oferecem um gosto azedo e equilibrado ao lado trágico de Melinda e Melinda. Quem já viu Blue Jasmine não ficará surpreso em nada com o desfecho dramático do filme, basicamente plagiado pelo de 2013, ainda que com uma maior imaginação e evolução. Um grupo de escritores se reúnem numa chuvosa noite num bistrô em Nova York, onde começam a argumentar sobre tragédia e comédia. Um deles dá a ideia de contar uma história, e os outros escritores tem de palpitar se ela é um drama ou uma comédia. Essa passagem de abertura recorda demais Broadway Danny Rose, só como nota.
Muita gente odiou Melinda e Melinda. E eu entendo. Talvez o filme lá não faça tanta lógica, ou ainda por cima seja totalmente oblíquo, desnecessário. Mas eu gostei demais da conta. Afinal, o cara é Woody Allen, e sou um mega fã do diretor. Certamente minha obsessiva paixão pela carreira dele no cinema e por seu estilo tenham me guiado nesse caminho, onde muito dificilmente digo "não" à seus filmes, ainda mais aqueles considerados fracassos, como este - que na minha sincera opinião de fracasso não tem nada -, o último do diretor filmado em Nova York antes da temporada europeia dele, que começou com Match Point - Ponto Final e foi terminar com Para Roma Com Amor, num breve intervalo com Tudo Pode Dar Certo, outro tímido título da carreira de Woody, que voltou a ser filmado em Nova York, com o dinheiro da Sony Pictures Classics.
Uma das coisas mais interessantes e incríveis de Melinda e Melinda é seu elenco, formado por Will Ferrell, Chloë Sevigny, Amanda Peet, Wallace Shawn e Jonny Lee Miller, que, apesar de não ser tão conhecido, é muito talentoso, e a grande maioria dessa nova safra de atores conseguiu acompanhar o ritmo de Allen muito bem. O mais incrível ainda é a tal Radha Mitchell, de quem eu nunca ouvi falar, mas que se sobressai de forma tão autêntica aqui que não ressaltar sua importância para Melinda e Melinda seria um erro trágico. Ela funcionou bem em ambos os planos, mas acredito que o trágico combina mais com ela do que o cômico.
Chiwetel Ejiofor, Zak Orth, Steve Carell e Josh Brolin fazem pontas pequenas aqui no filme, e achei bem estranho da parte do casting tal desperdício. Falando em Carell, o ator substituiu o sacana do Bruce Willis no novo filme do diretor, que estreia ano que vem. Willis abandonou as filmagens do nada sob a desculpa de que estaria trabalhando na adaptação para a Broadway de Misery, do Stephen King, conhecido como Louca Obsessão nos cinemas, filme que deu o Oscar a Kathy Bates.
Woody esbanja seu melhor em dois contos que só são diferentes pelas impressões que deixam. Afinal, a vida é um espelho, cujos lados refletem a tragédia e a comédia, e mesmo que não sejam tão parecidos, no final são praticamente a mesma coisa. A vida, o amor, o cotidiano. É assim que o cinema de Woody Allen funciona. E que a nossa vida é uma tragédia, ou comédia, por opção. É como a personagem de Radha Mitchell, que em determinada cena se emociona ao ouvir uma canção no piano e, quando questionada o porque de estar chorando pelo pianista, responde que a música tocava quando ela conheceu um homem. O pianista volta a perguntá-la se eram lágrimas de dor ou felicidade. E ela responde: "não são a mesma lágrima?". É aí que encontramos o conceito de Woody: sendo dor ou felicidade, é a mesma lágrima. Momentos bons ou ruins sempre passarão, e depois deles sempre vem algo pior ou melhor. É essencial se acostumar a esse fato. Talvez esse conceito até funcione como resposta à crítica, que nos últimos tempos veio reformulando o estilo do cineasta a partir do gênero de suas obras. A aparência e o gosto não são os mesmos, mas a receita sim.
Comprei no início do ano Adultérios, um dos livros escritos pelo Woody, que vem com três peças nele. Melinda e Melinda facilmente poderia virar uma peça daquelas, ainda mais quando o vivant clima teatral dá um realce especial nas cenas da película. E, realmente, me surpreendi. É um filme pequeno do cineasta, mas é elegantíssimo e delicioso como qualquer outro. O sublime roteiro de Allen, um dos melhores escritos pelo diretor nos últimos tempos, a Radha, o resto do elenco, a trilha sonora que rima clássica (tragédia) e jazz (comédia) com perfeição... Digam o que quiser, mas esse filme pediu minha adoração.
Melinda e Melinda (Melinda and Melinda)
dir. Woody Allen - ★★★★
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