quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Crítica: "ALIANÇA DO CRIME" (2015) - ★★★


"O que importa é na frente de quem ou com quem e quando você faz", diz James Whitey Burger quando recebe a notícia de que o pequeno filho teve uma briga feia com um colega da escola depois de descobrir que o mesmo lhe tinha roubado uma caixa de lápis. O menino, repreendido pela mãe, recebe um tratamento diferente do pai, que apoia a ação dele, mas ao mesmo tempo o repreende pela má exposição dessa tarefa, que fez com que ele se metesse em problemas. A trama de Aliança do Crime, mais ou menos, gira em torno desse depoimento. O filme, ao contrário do que se pensa, dialoga menos sobre a máfia e discute mais a relação dos membros desta com a FBI, e um vigarista sistema que conecta informantes e membros dentro da empresa.

Na falha tentativa de ser um Scorsese, Scott Cooper acaba se tornando um anti-Scorsese. É verdade que a história (verídica) retratada pelo longa, ambientada na violenta Boston dos anos 70, fica bem aquém de Os Infiltrados, o filme de Martin proximamente semelhante a este, mas que, ao invés de informantes, trata-se de uma inteligente análise do submundo criminal da cidade e uma estranha interconexão entre dois agentes infiltrados, de diferentes lados. Isso até o meio do filme, onde ele passa a assumir uma nova estrutura, bastante parecida com a de Zodíaco, do David Fincher. Outra grande desfeita é que há muita aposta em cima das sequências de violência exibidas, que não refletem um efeito tão positivo quanto se poderia esperar e soam desinteressantes, sem gerar nenhum entretenimento. Dá até pra contar com os dedos. Não há uma exploração qualificada. É em uma cena ou outra que dá pra ficar satisfeito, ou apenas dizer: "é o que tem pra hoje".

Embora Cooper assuma a realização do longa com certa inexperiência e frouxidão (o cineasta leva no currículo o bom Coração Louco, mas em contrapartida o morno Tudo por Justiça), o elenco é incrivelmente bem escolhido (não é à toa que vejo a tal Dakota Johnson em algo útil) e há uma maturidade técnica exemplar por trás do projeto (fotografia, direção de arte e maquiagem sublimes). Muito foi especulado sobre a performance de Johnny Depp na pele do duro, verborrágico e frio mafioso James Bulger, procurado pelo FBI anos a fio, e só depois de quase trinta anos, em 2011, capturado. E não estou surpreso com a porrada de elogios que ator recebeu por onde passou, de Veneza até Toronto, há pouco tempo atrás. Ele tá com tudo aqui. Creio que vai ser difícil pro Johnny, que revelou não querer vencer o Oscar caso nomeado num depoimento, abocanhar tal premissa. Embora a competição esteja se aquecendo, com o Chris Rock recentemente anunciado como apresentador da cerimônia, à essa altura dizer que Depp já é o predileto não é em nada uma certeza duvidosa. 

Whitey é um homem empoderado e fragilizado ao mesmo tempo. Ele delata por proteção e vice-versa. Seu joguinho duas-caras até consegue enganar, mas, quando revelado, aniquila sua fama de habilidoso. Suas estratégias vão minguando à medida em que ele encoberta a verdade só aumentando a quantidade de assassinatos e bárbaros crimes, que, cegamente, são "liberados" pela polícia de Boston. E, enquanto existe um acordo entre a máfia e o FBI, no interior desse acordo há outro, há uma elaboração totalmente esquematizada de contatos e uma gorda lista de delatores, que vão perdendo suas cabeças pouco a pouco. É uma reação estremecedora de dois pólos em uma descontrolada guerra fria. 

O clímax focaliza nessa jogada de extremo perigo, que vai isolando um círculo repleto de mentiras e interesse. Às vezes, há desencontros numa série de confusões mal-explicadas que reforçam a má fama do roteiro, que soa demais pretensioso em troca de tão pouca melhoria. O que realmente faz de Aliança do Crime um trabalho merecedor de conferição é seu avançado poderio técnico e a participação de um elenco dedicado e grandioso, liderado por um destemido e simplesmente bravo Johnny Depp, acompanhado de prestigiosas figuras como Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Peter Sarsgaard, Kevin Bacon, Jesse Plemons, Corey Stoll, Julianne Nicholson e Rory Cochrane. 

[39ª mostra internacional de cinema de SP]
Aliança do Crime (Black Mass)
dir. Scott Cooper - 

4 comentários:

  1. Opa, mais um excelente texto. Estou sempre acompanhando o seu trabalho por aqui.
    Sobre o filme, gostei da apresentação do protagonista, prezando pelo seu lado humano e, aos poucos, ir desconstruindo isso. A relação com a mãe e o filho, enfim.
    O Johnny Depp fazendo, finalmente, algo diferente do Jack Sparrow, criando uma figura inteiramente ameaçadora.
    Cara, queria entrar em contato contigo, você tem e-mail?
    Abraço,

    Emerson T Lima
    www.cronologiadoacaso.com.br

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  2. Valeu, Emerson. Admiro muito também o seu trabalho no Cronologia do Acaso, e concordo plenamente com sua opinião sobre ALIANÇA DO CRIME, com o Johnny em uma rara performance de qualidade, cuja eu confesso que não via desde SWEENEY TODD. E, quer dizer, lá se vão oito anos. Isso sem falar no INIMIGOS PÚBLICOS, que veio um pouquinho depois, onde ele também tinha interpretado um homem da máfia. Bem irônico rsrsrs

    Sobre o e-mail, estou disponível em
    lucaaugusto500@gmail.com

    Forte abraço! ;-)

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    Respostas
    1. Donnie Brasco com o Al Pacino lembra? Também é de máfia. Ele começa a se interessar por esse mundo e vai deixando a polícia de lado. Um grande filme também :)

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    2. É verdade. O Johnny parece seguir os passos do Al, que também fez muito filme focado na máfia, lembrando O PODEROSO CHEFÃO, SCARFACE, O PAGAMENTO FINAL e muitos outros...

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