Babel nem é tudo aquilo que o Roger Ebert disse, mas também não é toda aquela desgraça que muita gente enfatizou ao filme de Alejandro González Iñárritu. Fica num lugar exatamente no meio disso. E nessa afirmação encontra-se também uma grande ironia a partir deste filme, já que ambiguamente seu grande problema e seu grande acerto é o roteiro de Guillermo Arriaga, antigo colaborador de Iñárritu. É um trabalho bem mediano, resumindo, que se salva pelo admirável e talentoso elenco, e da direção arrebatadora de Alejandro. O roteiro de Arriaga, com seu estrago catastrófico e sua sensível importância, também é mediano. Como eu mesmo já falei antes, tem seus estragos e seus bons acertos.
Afinal, o que há de tão certo e de tão errado no roteiro indicado ao Oscar de Guillermo Arriaga. Olha, confesso que gostei mais de 21 Gramas, caso comparado à Babel. Uma das últimas colaborações cinematográficas de Arriaga e Iñárritu não foi lá uma das mais bem resolvidas. Mesmo que esse roteiro possua bons pontos, e um ótimo enredo, não é possível salvá-lo através deles. Posso dizer que é confuso demais, ou muito artificial, rarefeito. Muitas das cenas de Babel são desfiguradas por um clima dramático intenso, que ora acerta e ora erra. Isso meio que me irritou, por que, a cada cena que surgia, havia um desespero interno por não saber o que ali se sucederia. É uma tensão muito estranha, entre cada cena que entra e sai. Em outros filmes, essa tensão funciona como a base do clímax, mas aqui atrapalha, de alguma forma, por que promove a confusão. Porém, se tem uma coisa que o roteiro de Babel não é, é incoerente. Talvez no início, onde os segmentos das histórias narrados em diferentes planos, e em ordens de cronologia diferentes, a incoerência talvez fale mais alto. Mas é muito passageiro, pois à frente, as peças vão sendo conectadas e um grande resultado nos aguarda. Infelizmente, tal resultado não se prolonga justo por conta do intrigante clima que acelera o ritmo da narrativa, que por sua vez é devagar, citando a formação da história.
Embora esses encontros e desencontros logo causem transtornos e influenciem a qualidade de Babel, sua dramatização é, devidamente, insuperável. Difícil não se emocionar em determinadas partes. E o ótimo elenco tem uma participação muito especial nisso. Babel é um conto bem universal, narrada em quatro diferentes países, três continentes e um só condimento: a dor, o sofrimento. Tudo parte de uma cena locada no Marrocos, onde um senhor faz negócios com outro a fim de conseguir um rifle, com o objetivo de entregá-lo a seus filhos, e ensiná-los a caçar e matar animais prejudiciais às suas cabras. Os filhos, desconfiados da distância que a bala do rifle, se disparada, percorre, começam a testar a arma em pedras, carros, e num ônibus. Depois que a arma é disparada, os irmãos se convencem de que as balas realmente não prestam, até que o ônibus para no meio da estrada, indicando que algo grave ali se sucedeu. Esse ponto de partida desencadeia numa série de conflitos, que atinge bruscamente à todos os seus envolvidos, os mais distantes e os mais próximos.
Em Babel, o uso de uma inteligente e atrativa trama cheia de interconexões, e uma linha cronológica bem desconfigurada, não são novidade, porém dão charme ao filme e o transformam numa peça única. Dirigido por Iñárritu, a sensação que levemente temos - se não fosse a qualidade bem média do filme - de Babel é que ele é um filme dirigido por Quentin Tarantino. Se Babel não fosse tão concentradamente moralista e firmemente abusivo, tal comparação muito poderia ter cabimento. E o mais bizarro de tudo isso é que eu me lembro que tinha gostado demais de Babel da primeira vez que o tinha visto. Achei-o excelentemente emocionante. Mas agora, as recordações estão tão embaraçadas. Desta vez, perdi uma boa parte da apreciação da primeira sessão. Vi as imperfeições de Babel, e me surpreendi por não tê-las notado antes. Muito estranho.
E, se em Babel falta controle e percepção, a consistência satisfaz e traz uma baita alegria, ainda mais para quem tinha a esperança de ver um conteúdo bom em Babel, como eu. Inegavelmente, há exageros, mas a consistência aperfeiçoa a mínima hipocrisia da jornada. Babel faz mais sucesso como metáfora, já que o filme faz uma alusão geográfica à países menores (México, subdesenvolvido, e Marrocos, acredito eu que seja emergente, ou não-desenvolvido) e aos países maiores (E.U.A. e Japão, ambos atualmente pertencentes ao grupo dos países de primeiro mundo), mas que também não escapa da mesmice, ou, mais comunalmente, dos estereótipos inventivos.
O elenco de Babel é dotado de uma extraordinária força. Atores, a maior parte deles, desconhecidos, dando um incrível show de competência, cada um deles, em suas performances. Um elenco que vai da premiada Cate Blanchett à, naquele tempo, nunca vista Rinko Kikuchi, na virada de sua carreira, na, talvez, maior atuação de Babel, da adolescente surda-muda do núcleo japonês, órfã de mãe, e que, devido às suas condições, é frequentemente rejeitada por outros garotos de sua idade, algo que a priva de ter uma sexualidade e limita sua vida em sociedade. Vale citar também Adriana Barraza, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2007 ao lado de Kikuchi, na performance da babá Amelia, que me deixou muito impactado e emocionado. A trilha sonora, da autoria de Gustavo Santaolalla, é fantástica. A fotografia do mexicano Rodrigo Prieto é igualmente desoladora e eletrizante, que capta muito bem a fogosidade e o desfecho ágil de Babel. Palmas à meticulosa edição de Stephen Mirrione e Douglas Crise, uma das melhores dos últimos tempos, arrisco.
Babel
dir. Alejandro González Iñárritu - ★★★★
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