segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Crítica: "GRAN TORINO" (2008) - ★★★★★


Por influência dos velhos tempos do western, talvez, os filmes e até mesmo o caráter de Clint Eastwood nos lembram um jeito bem durão, machão de ser, mas neles concentram-se, mais intensamente, os elementos de uma sensibilidade ávida e emocionante. Gran Torino e Menina de Ouro são os melhores exemplos da filmografia bem sentimentalista de Clint, recentemente preenchida por produções aclamadas como Além da VidaA Troca e Sobre Meninos e Lobos. Mas um inevitável destaque, e um dos maiores, da filmografia deste nosso velho patriota amigo é Gran Torino. A experiência de vê-lo é por demais grandiosa e impressionante. Clint começa com o típico ranzinza, mas, com o passar do tempo, vai "amadurecendo" e deixando essa rígida posição pra trás, enquanto ao mesmo tempo prova sua compaixão em um ato desolador. Chorar, ao final de Gran Torino, não é uma missão nada impossível. Vou parar bem por aqui para evitar spoilers.

Pode parecer bem avesso e meloso o que digo e direi sobre Gran Torino, mas é a verdade, e mesmo que pareça, visto o filme o contrário se mostrará. Fazia um tempão que eu tava querendo ver Gran Torino. Passou mil vezes na TV, eu tenho o próprio DVD, e nunca tinha assistido. Decidi vê-lo hoje, em minha folga. E eu gostei muito. É um drama bem pesado, mas talvez seja o primeiro grande filme de Clint Eastwood onde seu protagonista revoga seu patriotismo e dá boas-vindas à aceitação das diferenças culturais. Inicialmente a ideia era bem ambiciosa, já que até então era praticamente negável ver Clint fazendo algo do gênero. Mas ele foi lá e o fez. Embora seu personagem proteste a todo momento a favor do patriotismo, com bandeiras nacionais enfeitando a fachada de sua casa e tudo o mais, além mesmo da própria participação desse personagem na Guerra da Coréia, o que fala mais alto aqui em Gran Torino é essa predileção inter-racial, em nome das diferenças culturais, algo que muito é simbolizado de diversas maneiras neste filme.

Clint encarna Walter Kowalski, um veterano da guerra que passa seus dias solitário, sem se ocupar de nada. Com a morte da esposa, ele se vê obrigado a aceitar a nacionalidade de seus novos vizinhos, que são asiáticos. Confrontando o passado, e lidando de uma maneira bem cruel com o presente, Walt, como é chamado, vai aos poucos se adaptando com a presença dos vizinhos, e até vai se familiarizando com um jovem anti-social chamado Thao, descendente de Hmongs. Thao, que já tentou roubar o carro Gran Torino de Walt para entrar na gangue de seu primo, inicialmente é rejeitado pelo velho, mas que, depois de alguns favores e um pedido de desculpa forjado por sua família insistente, que obrigou Walt a dar tarefas para Thao, que é bem bondoso e afável, os dois, bem lentamente, criam laços afetivos, e vão construindo uma relação. O grande problema são as gangues, que passam a interferir na vida de Thao e seus familiares. Isso causa fúria em Walt, que busca uma limpa vingança, enquanto Thao, depois de um trágico episódio, apenas quer terminar de vez e executar a vingança da mais horrível forma possível.

Em Gran Torino, vemos a presença da religião, aqui o catolicismo, como chave para a salvação, o que novamente me remeteu à Menina de Ouro, uma vez que o treinador Frankie Dunn vivia se consultando com um severo padre, algo que muda aqui, já que Walt passa a ser uma tremenda pedra no sapato do padre Janovich, já que ele rejeita firmemente a tarefa que lhe é designada pelo padre, de se confessar. Walt, que não é tão religioso assim, não muda de opinião tão facilmente, e ignora a promessa da falecida mulher, que queria que o marido se confessasse. Walt é assim com todo o mundo em Gran Torino. Até temos a sensação de que o padre é o personagem que ele pega mais leve nessa questão, apesar de, numa cena, ele ter respondido à ele com uma valentia quase reprimível. 

Gran Torino também explora, além dessa difusão de culturas (Walt é metade polaco) a parceria pouco comum hoje entre idosos e jovens, mas que é existente, apesar de tudo. Até numa cena é possível ver a reação de Walt ao descaso dos mais jovens com a terceira idade, com uma senhora pedindo ajuda a um pequeno grupo de adolescentes, depois que suas sacolas caem no chão, e eles passam a zombar dela, sem mais nem menos. Nesse mesmo conflito, vemos a noção caridosa de Thao, quando o mesmo vai até o local ajudar a idosa a carregar as suas compras. A face de impressão de Walt é bem evidente. E essa relação vai costurando o filme, dando gosto, e temperando a conexão dos pontos. Velhos e novos, grandes e pequenos. Isso meio que acalenta Walt, e nos lembra muito de um relacionamento avô-neto, que Walt nunca pôde ter, já que não tem um pingo de afinidade com os netos, que vivem afastados dele, e também o ignoram.

A trilha sonora, da autoria do próprio Clint, que também compôs e cantou a bela canção final "Gran Torino", é excepcional. A fotografia de Tom Stern, o mesmo de A Troca, reproduz o clima ácido e tenso da jornada de Walt. O roteiro, do iniciante Nick Schenk, é brilhante e absolutamente marcante. Abordando com muita seriedade a trama e os conflitos ao redor dela, com um final desesperador e triste, o roteiro é um trabalho digno e bem-feito. A montagem de Joel Cox e Gary D. Roach é muito boa, também. E o elenco, bem internacionalizado por conta do núcleo asiático, simboliza mais uma performance de sucesso de Clint Eastwood, tão forte e memorável como nunca, é o que move Gran Torino, essa obra precisa e absolutamente linda. Carrega consigo um significado tão profundo, que descrevê-lo torna-se desnecessário, uma vez que tal excelência é indescritível!

Gran Torino
dir. Clint Eastwood - 

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