Muitos andaram dizendo por aí que O Julgamento de Viviane Amsalem é a perfeita cópia de A Separação. Discordo muito disso. Não que ambos esses filmes, que lidam com o divórcio estritamente ligado à questões religiosas, não sejam semelhantes mas acredito que não são idênticos como muita gente tem protestado, até porque a abordagem e a linguagem utilizadas nesses dois filmes são totalmente distintas. Ótimas e distintas. Filmes que falam sobre casos judiciais intermináveis e complicados, por exemplo o divórcio, tendem a dar nó na minha cabeça, pois é algo tão difícil, tão incompreensivelmente delicado e labiríntico que chega a dar dó de ver a condição dos envolvidos em meio a tanta turbulência. Agora, imagine um caso desses em locais cuja política é mil vezes mais complexa por envolver religião, por exemplo o Israel e arredores do Oriente Médio? Lá em A Separação, na cena inicial, o juiz não tinha concedido o divórcio justamente por que a razão protestada pelo casal não era justificável. Aqui, a mulher luta desesperadamente pelo divórcio há anos mas o marido se nega a concedê-lo (em Israel, o divórcio só pode ser consumado com a permissão do homem).
A criativa proposta do longa só nos permite ver a situação do casal no interior do tribunal. O público não sabe de nada que acontece lá fora senão pelos depoimentos de testemunhas e tal. Uma proposta que funcionou, principalmente por ter dado flexibilidade à trama dando fim às possíveis repetições que poderiam seguir caso a narrativa fosse mais aberta. A qualidade dramática é indubitável, ainda mais com um elenco desses. Desespero, angústia e insatisfação margeiam a história de Viviane e sua persistente luta pela separação, que dura um tempão. Em nenhum momento desanimei. Foi interessante, pois o filme realmente me prendeu. Quando fui tirar os olhos da tela já era o fim. Devido à tentadora proposta, alguns podem levar tal acontecimento como um mero milagre. Mas eu sou desse jeito mesmo. Alguns dirão que é parado, mas é em sua monotonia que se concentra o mais ofuscante deleite. É preciso crer no filme, deixar ele naturalmente te conduzir sem medo.
Merecidamente indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro neste ano, e curiosamente negado no Oscar, O Julgamento de Viviane Amsalem é uma reflexão pesada e desnorteante sobre o trivialismo da justiça em um território já cambaleante guiado pela moralidade religiosa. Lugar onde a justiça só tem ouvidos para o que faz sentido, o que é certo diante das leis religiosas. Talvez não exista certamente um filme semelhante à este aqui, justo por essa questão. O Julgamento de Viviane Amsalem é um longa muito original, único, para ser comparado. Sim, comparações a A Separação de Asghar Fahradi até que possuem certo nexo, mas neste nexo possui controvérsias, já que ambos os filmes falando da separação podem ser bem próximos mas (como eu mesmo disse) são diferentes na montagem.
Tem certo momento que cansa ver toda aquela injustiça, sua duração e enorme complicação que degenera em consequências abaladoras. Mas é preciso pensar que aquela é uma observação de como reinam os princípios num espaço que ainda está atrasado. Em tempos onde a liberdade de expressão é fortemente debatida, ver O Julgamento de Viviane Amsalem rende uma excelente experiência ainda mais quando o filme aborda principalmente questões conectadas à esse tema. É claro, todos nós ficamos irritadíssimos e chocados com esse caso mas é necessário compreender a geografia e história que abrigam Israel e toda aquela região ali do Oriente Médio. Compreender no sentido de poder ter uma clara visão de toda a (inicialmente) indecifrável barbaridade. Um elenco simplesmente estupendo. As performances fascinantes de Ronit Elkabetz (Viviane Amsalem), Menashe Noy (Carmel Ben-Tovim, o advogado), Sasson Gabai (esplêndido ator, na atuação mais intensa presente - Shimon Amsalem, cunhado de Viviane e advogado de Elisha, o marido dela) e Simon Abkarian dão consistência e rigidez à perspectiva dramática da película. Vejam. Um elenco precioso, uma proposta avassaladora e uma narrativa bem-feita e esplêndida. Inegavelmente um filme pra lá de bom.
O Julgamento de Viviane Amsalem (Gett / Gett: Le Procès de Viviane Amsalem)
dir. Ronit Elkabetz, Shlomi Elkabetz - ★★★★
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