Belamente romântico e inesquecível, Ela me chamou ontem para uma revisão mais que obrigatória e eu tive que aceitar muito logicamente. Tal revisão rendeu mais do que eu imaginava, já que fazia quase um ano que eu tinha visto Ela, e ficado profundamente apaixonado pela obra de Spike Jonze. Um light futurista ainda que impactante e muito intenso, Ela narra a vida de um escritor de cartas chamado Theodore, que se apaixona e cria uma relação excessivamente afetiva com um sistema operacional de inteligência artificial que é capaz de sentir e conversar com o dono, além de realizar várias tarefas computacionais. Inicialmente sem acreditar, Theodore, à medida em que a sua existência passa a depender da existência de Samantha, vê que é impossível deixá-la de lado.
O romance de Theodore e Samantha também muito nos faz questionar. Angustiado e reprimido pela falha de relacionamentos anteriores, Theodore é um cara sozinho, de poucos amigos, que encontra na tecnologia um refúgio irreparável. A chegada de Samantha faz com que a sua visão do mundo se renove, e ele passa a se adaptar das condições do sistema operacional como humanas. A fantástica realidade de Samantha inspira e agrada o melancólico Theodore. Ao mesmo tempo em que você consiga muitas das vezes se relacionar com a relação deles, é triste ver a solidão que acomete Theodore, e a falta de rumo que o mundo futurista abriga. Sem a tecnologia, diante daquele final inegavelmente chorável, o mundo mergulha num estado bem "pra baixo". Afinal, seremos daqui a alguns anos desse jeito? Tão solitários a ponto de precisarmos de um computador para satisfazer as nossas energias amorosas? Eu gostaria, na verdade, de ter uma experiência do estilo. Theodore e Samantha parecem como um casal qualquer. E seriam se o fato dela ser um computador fosse revertido. É apenas isso. Como ela mesmo protesta pelo filme todo, só lhe faltava um corpo.
Será o fim do relacionamento entre humanos? A perfeição da tecnologia superará algum dia a força da paixão? Impossível isso em nenhum ponto é. Vale esperar. Ver Ela é o mais próximo possível da observação de um relacionamento amoroso entre robô e homem. Spike Jonze grita incansavelmente: "Chega dessas ficções-científicas que apenas procuram explorar um mundo em evolução dentro de um inesperado conflito com a extrapolação de um determinado sistema. Aqui vos trago nutrida de um novo ideal, uma comédia romântica com perspectivas voltadas para o amor no futuro. Mais especificamente, o amor entre máquinas e homens no futuro". Parece que é assim. E o melhor: é assim.
Depois de filmes como Quero Ser John Malkovich, Adaptação e Onde Vivem os Monstros, Spike nos apresenta, sem nenhum Charlie Kaufman para botar defeito qualidade, sua visão: simples assim. E o que é melhor do que uma visão sobre um romance de origens mais complexas e menos remotas? E além disso ele mostra que sem a ajuda desconcertantemente benéfica de Kaufman consegue se virar, à seu jeito. Se com Kaufman seus poucos filmes já eram maravilhas divinas, Ela, que segue Onde Vivem os Monstros (também sem Kaufman), são dotados dessa maravilha divina com algo a mais. Algo mais Jonze excedido da genial loucura de Charlie.
Ver o cara mais difícil ora bizarro de Hollywood encarnando um personagem tão delicado - talvez o mais delicado de sua carreira - pode render aplausos intermináveis se considerado que além dessa personagem a performance por trás dela é ainda triunfal e talentosa. Joaquin Phoenix (sempre erro o sobrenome, mas acho que agora tá certo), aquele lá da entrevista do David Letterman, apresenta um lado bem romântico de sua persona relaxadona, algo que fora muito bem explorado em filmes como Johnny & June, Amantes, O Mestre e o recente Vício Inerente, mas não da forma que aqui é exibida. A mais doce, (mais ou menos) pura e bonita forma. Phoenix é mesmo um ator encantador. Difícil, mas extremamente encantador.
E Scarlett. Ninguém verá a sua imagem nua como foi pela primeira vez visto lá em Sob a Pele, muito menos a transformação científica-sobrenatural da Lucy, nem as belas sedutoras criadas por Woody Allen feitas pela mulher do século em Vicky Cristina Barcelona e Scoop - O Grande Furo. Mas, se nem o rosto dela aqui vemos, somos fragilmente sensibilizados e hipnotizados por sua memorável e aquecedora voz. Nada mais romântico, não? A voz de Scarlett e só apenas é suficiente para levar o espectador ao mais profundo estado de comoção apenas nos primeiros segundos. É demais para o coração. E esse personagem, a Samantha, torna-se um dos melhores da bela Johansson, mesmo na ausência de um rosto ou belas curvas para logo eletrizarem o espectador na primeira vista.
Amy Adams também é ótima. Rooney Mara, Olivia Wilde... Tanta mulher bonita reunida num só lugar. Coube à Jonze dar o papel de Samantha para Scarlett. Se funcionou? Bota funcionou nisso. A fotografia de Hoyte van Hoytema, em cores leves, traça o futurismo da história e do romance de maneira avassaladora. O roteiro e a direção de Spike Jonze revelam o melhor e maior dele, em seu brilhante momento de liberdade afastado da enlouquecedora frenesi Kaufmaniana. Se ao lado do "Woody Allen 2" ele já era sensacional, imagine agora sem ele. Se havia medo, a surpresa logo o minimiza. Esse aprendiz de Kaufman ainda nos comoverá mais. Depois de Ela, fica a prova.
Ela (Her)
dir. Spike Jonze - ★★★★★
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