Ficar dois dias sem a internet pode ser
desgastante e muito angustiante. Minha experiência, cuja já tive várias outras
vezes, realmente me fez ver o quão o mundo está dependente dessa conexão. Chega
a ser desesperador. O século 21 é desesperador. Enfim, só em apenas dois dias
perdi muita coisa. E fiquei atrasado. Nesse intervalo de dois dias vi Munique, do Steven Spielberg, um de seus
trabalhos mais ambiciosos, arrasadores e belos. Munique, muito elogiado, tem motivo de sobra para ser considerado
um dos filmes mais maturos feitos por ele. O diretor de clássicos como E.T. – O Extraterrestre, A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan até pode ter
conseguido certo reconhecimento com obras intensas, de cunho dramático profundo
(também citando A Cor Púrpura), mas
nenhum desses filmes tão pesados como Munique,
onde o diretor revela que também é mestre dessa exploração violenta do mundo
criminal e que consegue lidar com as façanhas do estilo da produção com glória
e talento, com a garantida prova da competência de seu cinema. Munique é uma obra maior de Spielberg.
Não a maior, mas com certeza ingressa na lista. O melhor do cineasta está
presente aqui. Esqueça as produções mais “livres” que ele fez. Nem mesmo parece
que Munique é um filme dele, e o
mérito instala-se justamente aí. Pra mim o diretor que consegue dominar esse
propósito, uma forma de afastar-se da sua comum zona de conforto, já é
considerado um gênio. Sorte a nossa ter Spielberg, esse gênio cujos filmes
tardam, mas não falham. Um bom exemplo é Munique.
Depois do fatídico atentado em Munique,
nas Olimpíadas, o governo israelense decide selecionar um grupo de cinco homens
para exterminar outro grupo de onze, responsáveis pela morte dos atletas
israelenses no atentado. A trama centra-se no líder desse grupo, que tem uma
mulher grávida e ainda aprende sobre os essenciais valores da família e como
esse ensinamento deve guiar a sua missão. Mas, afinal, o que Munique fala sobre? Inegavelmente, há
uma clara conexão (lá vem spoiler)
desse evento com o 11 de setembro. Quem percebeu no final, com o plano de fundo
das torres gêmeas em Nova York, os créditos iniciam com uma frase que diz “dos
onze culpados, apenas nove foram mortos”. Talvez essa que seja a ligação mais
clara do filme (11 de setembro, setembro é mês 9) seja de perto a menos
imperceptível das outras mais que surgem no decorrer da narrativa e nos levam a
testemunhar a série de conflitos que se interligam e ganham um sentido. Essa
conexão não é certamente o objetivo principal de Munique, mas a teoria de que esse mundo escondido, deixado para
trás, abandonado em sofrimento e desolação, um lar completamente desalmado, que
é o Oriente Médio buscou com esses eventos a nossa possível atenção é
devastador. Não é apenas sobre injustiça, mas como tudo se trata da nossa
própria ignorância. Somos todos culpados pelo caos. O maior e o menor. Um na
luta pelos mesmos direitos do outro. O mundo é e certamente sempre será desse
jeito. E quanto mais não aceitarmos isso, mais haverá caos. E daí começa tudo
de novo.
Um elenco surpreendente. Da lista, só
mesmo conhecia dois ou três, entre eles o Daniel Craig, Geoffrey Rush e Mathieu
Amalric (isso se não são os únicos que eu conheço). Eric Bana, Mathieu
Kassovitz, Hanns Zischler, atores simplesmente extraordinários. Bom ver que
essa lista não conta com Hanks ou nenhum dos outros colaboradores de Spielberg
(o que pode ser visto muito bem como parte dessa “evolução”). Se bem que em A Lista de Schindler ele tinha apostado
alto no elenco internacional também. Mas John Williams e Janusz Kaminski
continuam presentes. A eterna parceria, e que tem funcionado pra caramba, de
Steven com esses dois outros grandes gênios é inquebrável mesmo numa brusca e
singular transformação dessas. Outra prova de que a trilha e a fotografia dos
filmes de Steven não seriam as mesmas sem esses dois.
A ação em Munique é eletrizante. A cena da explosão no hotel é de deixar
qualquer um com o coração saindo pela boca, como foi no meu caso, e que também
é a cena da qual eu acredito que é a mais pulsante do longa inteirinho. Não
estranharei alguém ter um ataque cardíaco durante a sessão de Munique. Cardíacos, recomendo que vocês
não vejam Munique. É isso aí. Eu
gostei de Munique. Não só possui uma
trama forte e consequentemente reflexiva como também é de um caráter único,
razões pelas quais já expliquei e estão diretamente relacionadas ao fato deste
filme ser uma peça rara da carreira de Steven Spielberg, com certeza uma lenda viva
e um dos maiores realizadores cinematográficos que já viveram. E ele é quem sai
ganhando em Munique, pois o filme
automaticamente se transforma numa prova dessa sua autoridade imbatível.
Munique (Munich)
dir. Steven Spielberg - ★★★★
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